Menu

Larvas 1 1LarvasEm entrevista, cientista do ICB fala sobre importância desses insetos para a segurança alimentar humana e manutenção da biodiversidade


O dia 20 de maio foi estabelecido como o Dia Mundial da Abelha pela Organização das Nações Unidas. O objetivo da data, segundo a ONU, é chamar a atenção de legisladores e do público para a importância de se proteger os polinizadores para solucionar questões relacionadas ao abastecimento global de alimentos e à eliminação da fome nos países em desenvolvimento.

Theo MotaTheo Mota desenvolve estudos sobre a percepção e a aprendizagem sensorial em abelhas e outros modelos de inseto, utilizando abordagens experimentais que abrangem tanto o nível celular e fisiológico, quanto o nível comportamental e cognitivo. Para saber mais sobre o papel essencial das abelhas também na contenção da degradação dos ecossistemas e da perda da biodiversidade, a ACBio conversou com o biólogo Theo Mota, professor associado do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. A entrevista completa você confere a seguir.


ACBIO: Qual é o papel das abelhas no ecossistema do planeta e porque é importante ter uma data para se "lembrar" delas?

Theo Mota: As abelhas são responsáveis por uma grande parcela da polinização, processo necessário para que haja fecundação e consequente reprodução das plantas que produzem flores e frutos, as chamadas angiospermas. A grande maioria das espécies de plantas com flores (+ de 80%) só produzem sementes se animais polinizadores transportarem o grão de pólen do órgão masculino (antera) até o feminino (estigma) das flores (polinização-fecundação).

Logo, a polinização é um processo fundamental para a produção de alimentos para os animais e para as pessoas. Para se ter uma noção da sua importância para a segurança alimentar humana, das cerca de 115 espécies agrícolas que fornecem 90% de alimentos para 146 países, 71 (62%) são polinizados por abelhas. Além disso, a grande diversidade de abelhas garante a manutenção da nossa biodiversidade.

ACBIO: Quantas são (pode ser uma estimativa) as espécies e populações de abelhas no mundo? Elas são características de regiões específicas?

Theo Mota: Existem cerca de 20.000 espécies de abelha já identificadas no mundo. Estima-se que no mundo existam mais de 30.000 espécies, considerando as que ainda não foram decobertas ou descritas. No Brasil, existem cerca de 1.900 espécies descritas - mas estima-se haver algo próximo de 3.000. Cerca de 250 das espécies identificadas estão no Estado de Minas Gerais. Cada espécie possui uma área de distribuição, sendo algumas mais restritas a pequenas regiões e outras de distribuição bastante ampla.

PrincipaisACBIO: Qual é o panorama atual das condições de vida das abelhas no mundo: estável, ameaçadas, em queda ou crescimento, lento ou rápido? E no Brasil?

Theo Mota: As abelhas encontram-se certamente ameaçadas, mas dados confiáveis sobre o tema são provenientes principalmente da Europa. Lá existem evidências de que cerca de um terço das espécies de abelhas está com sua população em declínio. Algumas espécies em declínio lento e outras, rápido! E cerca de 10% das espécies de abelha endêmicas, ou nativas, da Europa encontram-se ameaçadas de extinção.

Apicultores na Europa, EUA, Japão e outros países também vêm reportando, já faz muito tempo, uma queda nas populações de abelhas domesticadas da espécie Apis mellifera. Pesquisas indicam que nos EUA vem ocorrendo queda de cerca de 10% ao ano nas populações de abelhas domesticas comerciais. Este fenômeno vem sendo chamado de Colony Colapase Disorder (CCD).

No Brasil, muitos estudos reportam queda nas populações de abelhas nativas originalmente registradas em seus ambientes naturais, mas dados numéricos são ainda escassos. A última edição da lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção indica quatro espécies de abelhas nativas ameaçadas, dentre as quais encontramos a abelha Uruçu, a Melipona scutellaris. Apicultores brasileiros também se queixam de queda na população e produtividade das colmeias de abelha doméstica.

ACBIO: Que dimensões da vida humana podem ser impactadas com a diminuição das populações de abelhas?

Theo Mota: Nossa segurança alimentar é garantida em grande parte pelo papel polinizador das abelhas. A flora de nossos ecossistemas naturais também. No ambiente rural e agrícola, as quedas nas populações de abelha impactam diretamente a produtividade e a qualidade de frutos.

Muitos países como os EUA e Japão investem hoje em tecnologias de polinização artificial de cultivos, o que gera um gasto enorme e não substitui a efetividade da polinização natural.

Muitos estudos pelo mundo visam aprimorar a introdução de abelhas, principalmente Apis mellifera, em cultivos agrícolas. Embora esta seja uma solução aparentemente razoável, a introdução de populações de espécies exóticas em ecossistemas agrícolas pode aumentar o impacto negativo sobre as populações de abelhas nativas. No Brasil, muitos pesquisadores, por exemplo a Embrapa, buscam desenvolver métodos para introdução de abelhas nativas em cultivos, especialmente espécies sociais sem-ferrão. Mas a tarefa é muito mais desafiadora do que parece, pois abelhas nativas geralmente não se adaptam bem a estes ambientes.

Principais 1ACBIO: O cidadão comum pode fazer alguma coisa em prol da preservação das abelhas? Existem políticas públicas nesse sentido?

Theo Mota: Um cidadão comum pode procurar conhecer quem são as espécies de abelhas polinizadoras de diferentes plantas. Este é o primeiro passo pra se conscientizar da importância de preservação da nossa DIVERSIDADE de abelhas. A maioria das pessoas apenas conhece a abelha melífera, a abelha domética, da espécie Apis mellifera, espécie domesticada pelo homem para produção de mel, própolis, cera, geléia real e outros produtos apícolas. No Brasil, esta espécie de abelha social é exótica, não devendo dessa forma, ser o alvo principal das ações de preservação.

Muita gente acha que toda abelha tem ferrão e representa um risco, logo deve ser exterminada. Esta por exemplo é uma visão errada que deve ser combatida. Muitas espécies de abelhas sociais brasileiras, por exemplo, não possuem ferrão e não costumam ser agressivas como Apis mellifera. Este é o caso das abelhas Jataí, Mandaçaia e Uruçu, por exemplo. A Uruçu hoje está listada como espécie ameaçada no livro vermelho das espécies ameaçadas de extinção no Brasil. Além da destruição de seus habitats naturais, o extrativismo de mel desta espécie em distintas regiões do Brasil parece ser responsável por essa triste situação.

O cidadão comum pode ajudar a preservar as abelhas priorizando o consumo de produtos agrícolas provenientes de cultivos orgânicos e de produtores que prezam pela sustentabilidade. Além de favorecer a saúde das abelhas e a sustentabilidade, o cidadão estará ajudando sua própria saúde. Os agrotóxicos vem sendo responsáveis por inúmeras doenças humanas. O atual governo, infelizmente, tem promovido políticas contrárias a isso. Entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2021, foi aprovada a maior quantidade de defensivos agrícolas em mais de vinte anos: 1.560 novos ingredientes ativos registrados. Estamos matando as abelhas e sendo envenenados lentamente. Isso é muito triste! Infelizmente, a crise econômica dificulta ainda mais o acesso da população ao alimento orgânico de qualidade, cujo custo é obviamente maior.

O cidadão comum também pode preservar as abelhas preservando seus habitats ou cultivando em seus jardins vegetais com flores atrativas para as abelhas. Muita gente compra hoje um lote e destrói a mata nativa para construir uma casa. Em seguida, resolve plantar no jardim espécies vegetais exóticas que não oferecem recursos pras abelhas nativas. Dessa forma, sem saber, o cidadão perde a oportunidade de ter em seu jardim polinizadores naturais, que poderiam inclusive polinizar espécies vegetais comestíveis.

Hoje existe um grande movimento no Brasil e no mundo de criar abelhas para “salvar abelhas”. Esse movimento, que promove aumento das práticas de apicultura e meliponicultura (criação de abelhas nativas meliponídeas) em ambientes urbanos e periurbanos deve ser avaliado com muita cautela. Muitas vezes na ideia errada de estar “salvando abelhas”, apicultores e meliponicultores estão na verdade introduzindo populações exóticas de abelha em certos ambientes e promovendo assim uma queda nas populações de abelhas nativas que agora ganham novos competidores para os recursos já escassos da região.

Por isso, apicultura e meliponicultura são práticas que devem ser conduzidas por profissionais conscientes. No caso da meliponicultura, prática em rápida expansão no Brasil, é muito importante conscientizar os profissionais da área sobre a importância de apenas cultivar espécies nativas/endêmicas da região! O comércio ilegal de colmeias de abelhas sociais sem ferrão exóticas está alimentando no Brasil uma prática de colecionar espécies de meliponídeos, como se isso preservasse nossas espécies. Mas pelo contrário, isso é mais uma prática humana que provavelmente irá impactar de forma negativa a vida de nossas abelhas nativas.

 

 

 

Entrevista: Dayse Lacerda - Jornalista
Fotos: Acervo do pesquisador

Pesquisar

Instagram Facebook Twitter YouTube Flickr
Topo