Menu

Parasitologia ICB UFMG 22

No dia 28 de fevereiro de 1968 o Decreto-Lei 62.137 regulamentava o plano de reestruturação da Universidade Federal de Minas Gerais e cria os Institutos Centrais, dentre eles o ICB. Embora se tratasse de uma construção histórica da classe acadêmica, o período histórico não permitia se conformar com o fato de o documento ter sido assinado no contexto da ditadura e pelo presidente general Artur da Costa e Silva, considerado um dos principais articuladores do golpe de 1964, e, mais tarde, autor dos atos institucionais, incluindo o mais restritivo de todos, o Ato Institucional número 5, o AI-5. Ainda em 1969, a Congregação do ICB, órgão máximo administrativo da Unidade, definiu que a data comemorativa deste Instituto seria o dia 11 de novembro de 1968, quando foi realizada a 1ª Assembleia Geral do Corpo Docente. O ICB acabou tendo um marco histórico que pode ser considerado uma "segunda data de aniversário". Destacando a importância do passado para iluminar o futuro, o professor emérito Pedro Marcos Linardi, (na foto ao lado de camisa azul) titular aposentado do Departamento de Parasitologia, registrou detalhes do dia a dia dos primeiros anos do ICB em um delicioso artigo opinativo ilustrado, e que você agora pode ler aqui, abaixo.
 

UMA BREVE INCURSÃO AOS PRIMÓRDIOS DO ICB

* Pedro Marcos Linardi

No início dos anos 1970, o Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB UFMG) era constituído por nove departamentos. O de Biologia Geral (DBG) fora instalado no quarto andar da Antiga FAFI; o de Botânica, juntamente com o Setor de Zoologia do então Departamento de Zoologia e Parasitologia (DZP), hospedados no Museu de História Natural e Jardim Botânico; e os outros sete departamentos funcionavam no prédio da Faculdade de Medicina.

No DBG eram ministradas as disciplinas de Genética, Evolução e Ecologia, com as duas primeiras coordenadas pelo Prof. Humberto Coelho de Carvalho, e a Ecologia, por José Rabelo de Freitas. As pesquisas realizavam-se com o apoio do “Instituto de Biologia”, órgão criado pelos professores Braz Pellegrino e Giorgio Schreiber para o fomento e obtenção de recursos. [O nome do departamento de Biologia Geral  foi alterado em 2019 para departamento de Genética, Ecologia e Evolução].

foto1Fig. 1. Área do Museu de História Natural da UFMGPosteriormente, lá também se instalou o GIDE (Grupo Interdepartamental de Estudos sobre Esquistossomose), uma evolução da antiga área de Biologia Parasitária e que, sob a liderança do Prof. José Pellegrino, acolheu vários pesquisadores e estudantes de pós-graduação para a realização da parte experimental de suas teses. No DBG, tive o privilégio de atuar, em 1970, ministrando a disciplina “Genética e Bioestatística” para os alunos do Curso de História Natural e Ciências Biológicas, após a extinção do Colégio Universitário da UFMG.

À época, o Departamento de Botânica e o Setor de Zoologia do DZP haviam sido desalojados do quinto andar do prédio da FAFI e transferidos para a área do Museu de História Natural (MHN) (Fig. 1). Alguns colegas não gostavam desse novo “habitat”, dada à precariedade das instalações, já que os novos laboratórios e escritórios situavam-se em casas de madeira, e as aulas ministradas em um galpão improvisado. E ainda mais que no local não haviam restaurantes ou cantinas, as vias tinham dificuldade de acesso e nem todos possuíam automóveis.

O saudoso amigo e professor José Batista Ferreira Filho comparava o novo ambiente à Sibéria, já que todos ficavam isolados de tudo o que pudesse acontecer no ICB... Os alunos do Curso de História Natural e do recém-criado Curso de Ciências Biológicas também enfrentavam grandes obstáculos para assistirem as aulas, uma vez que elas eram realizadas em cinco diferentes locais: FAFI, MHN, Faculdade de Medicina, IGC (disciplinas da área geológica) e (no Instituto Faculdade de Educação (disciplinas pedagógicas).

foto2Fig. 2. Avental do ICB nos anos 70Na ocasião, era eu professor auxiliar de ensino, lotado no DZP, após passagem pelo DBG, porém lecionando as disciplinas de Zoologia e Entomologia, executando atividades científicas, administrativas e de extensão no MHN e, também, cursando mestrado em Parasitologia no ICB. Paradoxalmente, à parte certas dificuldades, as relações Museu/Zoologia desenvolveram-se harmoniosamente, uma vez que sendo a área um real laboratório vivo, tal fato permitia excelentes aulas de campo, gincanas zoológicas, captura de animais invertebrados, confecção de coleções científicas.

Desfrutando do mesmo ambiente, a Botânica também colheu frutos, seja pela coleta e estudo das plantas em aulas práticas e usufruto de um riquíssimo herbário pertencente ao Instituto Agronômico. O MHN também editava dois periódicos científicos, os Arquivos do Museu de História Natural da UFMG e o Boletim do Museu de História Natural da UFMG, este em diferentes séries, abrindo assim a oportunidade para a publicação de vários artigos por parte dos incipientes pesquisadores. E ainda nesse mutualismo, foram alguns docentes do Setor de Zoologia, os organizadores da Exposição Permanente do respectivo Museu. Assim, numa visão topográfica, até que ponto seria mais prazeroso e salutar trabalhar numa “Sibéria” de cenários vivos, de ar puro e oxigenado, antes que em certos ambientes massificados e poluídos e, cada vez, lutando por mais espaço...

foto3Fig. 3. Primeira “tese” do ICB utilizando esferas “itálico” e “script”Todavia, era no prédio da Faculdade de Medicina onde se desenrolavam os principais fatos, dado a concentração de departamentos, alocados nos seguintes andares: Morfologia (primeiro e nono), Patologia (terceiro), Biofísica e Fisiologia (quarto), Bioquímica e Imunologia (quarto), Microbiologia (sexto), Farmacologia (sétimo), Zoologia e Parasitologia (oitavo). O segundo andar era ocupado pela Diretoria, Secretaria e serviços auxiliares. Nesse prédio, pouco antes dos horários das aulas, longas filas formavam-se defronte às portas dos dois elevadores, especialmente quando o ascensorista, Olivier, anunciava defeito em algum deles. Entretanto, essa situação acabava por favorecer a comunicação entre as pessoas. Alguns departamentos possuíam linha telefônica.

Na Parasitologia, o aparelho localizava-se na Secretaria, e, apesar do seu controle e vigilância, quase sempre suas altas contas, incluindo excessivos interurbanos, consistiam no principal assunto das reuniões departamentais. Posteriormente, soube-se que, mesmo com o dial trancado, algumas pessoas mais espertas conseguiam completar suas ligações, dedilhando no interruptor vários toques correspondentes ao número desejado. Fumar ainda era um costume praticado pela maioria dos docentes e, logo após as reuniões departamentais, o ambiente da sala ficava impregnado de fumaça e cheiro de cigarros consumidos.

foto4Fig. 4. Contracheques da épocaTodos os professores recebiam, anualmente, dois aventais brancos de manga comprida, com a sigla ICB, bordada, em azul ou vermelho, sobre o bolso esquerdo superior (Fig. 2). Nas salas de aulas, os quadros eram negros e não azuis ou verdes, ou lisos e brancos como os de hoje, com o giz substituído pelo pincel atômico. Naquele tempo, os projetores de slides eram manuais e retangulares e, posteriormente, providos de carrossel circular giratório e manejados por controle remoto, com os slides confeccionados pela dupla Marcos/Paulinho. Atualmente, estão eles sendo substituídos por aparelhos “multimídia”.

Os textos, exercícios e provas eram encaminhados à gráfica, onde o senhor Wilson comandava as impressões à tinta. As dissertações de mestrado, então chamadas de “teses”, inicialmente datilografadas em máquinas comum, passaram a ser digitadas nas elétricas, IBM ou Olivetti, hoje também esquecidas.

A “tese” de mestrado indicada na Fig. 3 foi a primeira do ICB a utilizar as esferas “itálico” e “script” para redigir os nomes específicos e genéricos, assim substituindo a prática usada de sublinhá-los nos textos. Também não se faziam fotocópias no Instituto, onde atualmente as impressoras de computadores realizam cópias de boa qualidade. As encadernações, semelhantes a livros, não eram feitas como agora, com argolas e capas de plástico.

foto5Fig. 5. Capa do Livro de resumos 1971A admissão dos docentes era feita mediante indicação ou seleção de ex-estagiários ou monitores. Com o advento da pós-graduação, esses docentes foram os primeiros alunos admitidos nos cursos, diferentemente do procedimento atual, em que o doutorado é pré-requisito para preenchimento de vaga. Os primeiros quadros, essencialmente endógenos, incluíam, assim, poucos professores com o título de doutor.

A carreira docente compreendia as categorias de auxiliar de ensino, assistente, adjunto e titular, com os assistentes perfazendo 71% do total. A idade média dos professores era de 38,5 anos, porém, considerando-se apenas os assistentes, essa média caía para 27-28 anos. Quatro eram também os regimes de trabalho: 12h, 24h, 48h e DE, este último incluindo um maior número de professores, chegando até a haver um órgão especial para administrá-lo, a Copertide (Comissão Permanente de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva), da qual o professor Ênio Cardillo Vieira era presidente.

Os contracheques continham duas folhas, uma relativa ao vencimento básico e outra referente à complementação salarial conforme o regime de trabalho do professor. Vinham impressas em papel verde ou amarelo, aplicando-se os seguintes valores para remuneração: 12h (x), 24h (2x), 40h (4x), DE (4x+20%) (Fig. 4).

foto7Fig. 7. Cartão para pedido de separatasAs chefias de departamentos e as coordenações de cursos eram exercidas pelos mais graduados ou experientes. Ao contrário de hoje, a coordenação de graduação era uma função de prestígio. As provas dos cursos de graduação, muitas vezes aplicadas à noite, motivavam boas confraternizações logo após o seu término: o pessoal concentrava-se num barzinho localizado em um posto de gasolina, defronte ao prédio da Faculdade.

Entre 1970 e 1972, três Reuniões Anuais foram realizadas para avaliar o ensino. A de 1972, com o tema “O Ensino do ICB é de Má Qualidade? Ou de Boa Qualidade”, conhecida como o Julgamento do ICB, promoveu várias discussões e debates “calorosos”. As defesas de “teses” e seminários despertavam grande interesse. A pesquisa, fortemente impulsionada pelos cursos de pós-graduação, motivou a realização do I Encontro de Pesquisa do ICB, em junho de 1971, com 190 resumos de trabalhos inscritos e um número expressivo de participantes (Fig. 5).

O II Encontro realizou-se em junho de 1972, contando com 121 resumos de pesquisa (Fig. 6). À época, vários docentes recebiam foto6Fig. 6. Capa do Livro de Resumos 1972 convites para também apresentarem os seus trabalhos em reuniões da Sociedade Mineira de Biologia, realizadas regularmente na Faculdade. Intercâmbio de artigos publicados fazia-se por meio de cartões especiais.

O número de cartões recebidos indicava a abrangência e o impacto desses artigos (Fig. 7).

Por fim, é importante salientar que o ICB dos primeiros tempos caracterizou-se como uma instituição de grande integração e convívio entre professores, funcionários e estudantes, numa época em que as relações eram pessoais, diretas, e a vida, mais humana, haja vista a participação ativa de seu pessoal em diversas festas, torneios, sessões cinematográficas, jogos de baralho, competições esportivas (futebol, futebol de salão, tênis de mesa e até tiro ao alvo). Ainda não existiam TV em cores e a cabo, videocassetes, DVDs, antenas parabólicas, computadores individuais, telefone celular, internet, smartphones, pendrives e WhatsApps.

O BOLETIM (Fig. 8) auxiliava a interação de pessoas graças às notícias veiculadas: portarias, homenagens, promoções, defesas de teses, afastamentos, aniversariantes e até casamentos. Todos eram jovens, vibrantes e idealistas. É uma pena que as atribulações do mundo moderno, o avanço dos recursos eletrônicos, a multiplicidade de atividades e a cobrança cada vez mais intensa de tarefas tenham arrefecido os entusiasmos de foto8Fig. 8. Capa do Boletim Informativo 1970outrora!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Veja mais algumas fotos do professor Linardi através dessa história:

 

Parasitologia ICB UFMG 42Parasitologia ICB UFMG 69Parasitologia ICB UFMG 64

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

* Pedro Marcos Linardi é professor emérito da UFMG e titular aposentado do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências  Biológicas da UFMG

Pesquisar

Instagram Facebook Twitter YouTube Flickr
Topo