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cerrado.Fernando.Silveira.2019A vegetação precisa ser sustentável.. O excesso de plantas pode comprometer o equilíbrio ambiental de forma negativa. Um grupo de 46 cientistas de todo o mundo, com a participação de pesquisadores brasileiros, incluindo do ICB UFMG, está alertando a comunidade científica para a importância de que sejam adotadas medidas mais cuidadosas com o meio ambiente. Liderados pelo professor Joseph Veldman, da Universidade A&M do Texas, eles publicaram, no dia 18 de outubro, um Comentário Técnico na revista Science, no qual demonstram que o potencial do plantio de árvores para mitigar as mudanças climáticas foi exagerado em pesquisas recentes e que o plantio de árvores em locais errados pode destruir ecossistemas e, ao contrário do imaginado, pode agravar o aquecimento global.

No texto, os cientistas mostram que o dióxido de carbono emitido na atmosfera por meio da queima de combustíveis fósseis está causando o aquecimento da Terra, a acidificação dos oceanos e a mudança do clima. Uma vez que as árvores capturam carbono através da fotossíntese, esforços maciços de plantio de árvores estão sendo promovidos por alguns cientistas e por grupos de ambientalistas como a solução mais viável para combater as mudanças climáticas.

"Plantar um trilhão de árvores não vai resolver a crise climática, mas pode ser um tiro pela culatra e catalisar a sexta extinção em massa", afirma o professor Fernando Augusto Silveira, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do ICB UFMG, coautor do trabalho, ao lado de seu colega de departamento Geraldo Wilson Fernandes. Segundo Silveira, no Brasil, a cobertura vegetal original de quase um terço do país é de campo e savana, principalmente nos biomas Cerrado, Pampa e Pantanal, mas ecossistemas abertos também estão presentes nos demais biomas.

"Estes ecossistemas possuem uma biodiversidade comparável à das florestas e fornecem importantes serviços ecossistêmicos", esclarece o professor do ICB. Ele relata também que um grupo de pesquisa liderado por outra coautora do Comentário Técnico, a professora Giselda Durigan, do Instituto Florestal de São Paulo, tem demonstrado de forma clara os efeitos negativos de um aumento da vegetação arbórea sobre a biodiversidade e também sobre processos hidrológicos. “Transformar a savana aberta em savana com alta densidade de árvores ou em floresta vai ter implicações na recarga dos aquíferos na região, que são importantes para abastecer as populações humanas, além de causar perdas de biodiversidade”, afirma Giselda.

Ou seja, planta demais também pode gerar outros problemas para os quais o conhecimento existente ainda não está avançado o suficiente para lidar de forma equilibrada ou sustentável. Veldman destaca que "Embora o reflorestamento possa ser bom em algumas áreas, originalmente florestais e que foram desmatadas, o plantio de árvores em campos e cerrados naturais destrói o habitat de plantas e animais e não sequestrará carbono suficiente para compensar as emissões de combustíveis fósseis".

Os pesquisadores brasileiros envolvidos no novo estudo, agora publicado na Science, destacam que há necessidade de investir na restauração dos campos e savanas do país. “A restauração de todos os tipos de ecossistemas é importante e a restauração de campos naturais e savanas é fundamental para a conservação da sua biodiversidade, bem como de diversos serviços ecossistêmicos”, destaca Gerhard Overbeck, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, outro coautor do Comentário Técnico. “Mas temos, atualmente, um grande problema, até mesmo para quem quer restaurar uma área degradada de campo ou savana: praticamente não existem sementes de espécies herbáceas nativas: capins ou ervas, que são um grupo extremamente diverso no mercado de sementes. Desta forma, ainda é muito desafiador restaurar estes ecossistemas”, acrescenta Overbeck.

O Comentário Técnico é uma crítica a um outro artigo recentemente publicado na Science ("The global tree restoration potential"), liderado por Jean-Francois Bastin e Thomas Crowther, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Esses pesquisadores, financiados por uma fundação holandesa sem fins lucrativos (DOB Ecology), um grupo de defesa de plantio de árvores (Plant-for-the-Planet), e pelo Ministério Federal Alemão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, alegaram que o plantio de árvores em praticamente todo o planeta poderia capturar 205 gigatoneladas de carbono, ou um terço do dióxido de carbono emitido desde a Revolução Industrial.

Veldman ressalta a relevância do novo estudo: “Como a estimativa de 205 gigatoneladas de carbono divulgada em julho de 2019 era realmente grande, as manchetes em todo o mundo declararam o plantio de árvores como a melhor solução para as mudanças climáticas. Agora sabemos que os dados divulgados nas manchetes estavam erradas.”

Em sua crítica, Veldman e seus colaboradores demonstram que a pesquisa suíça teve sérias falhas metodológicas, que levaram a uma superestimativa em cinco vezes do verdadeiro potencial de novas árvores para mitigar as mudanças climáticas. Entre os problemas, o estudo original considera que os solos em ecossistemas savânicos e campestres não contêm carbono, quando na verdade estes ecossistemas contêm mais carbono na parte subterrânea do que na vegetação acima do solo (caule, folhas). A pesquisa suíça também negligenciou o fato de que as florestas de coníferas na região boreal e em regiões montanhosas absorvem mais luz solar e emitem mais calor que as áreas sem árvores, de modo que na verdade fazem aumentar ao invés de diminuir o aquecimento global. Finalmente, Veldman e seus colaboradores argumentam que o plantio de árvores em campos e savanas, como proposto pela pesquisa suíça, é prejudicial ao meio ambiente.

“Os campos e as savanas, incluindo o cerrado, contêm imensa biodiversidade, que co-evoluiu por muitos milhões de anos e que prestam serviços importantes à humanidade, como a oferta de forragem para animais de criação e a recarga das reservas de água subterrânea. Ficamos preocupados que um foco míope no plantio de árvores reduza a capacidade real das pessoas de se adaptarem às mudanças climáticas. Poucas pessoas percebem que em algumas regiões, como nos ecossistemas boreais e montanos, a adição de árvores pode realmente levar a mais aquecimento”, destaca Veldman.

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Comment on “The global tree restoration potential”

Joseph W. Veldman, Julie C. Aleman, Swanni T. Alvarado, T. Michael Anderson, Sally Archibald, William J. Bond, Thomas W. Boutton, Nina Buchmann, Elise Buisson, Josep G. Canadell, Michele de Sá Dechoum, Milton H. Diaz-Toribio, Giselda Durigan, John J. Ewel, G. Wilson Fernandes, Alessandra Fidelis, Forrest Fleischman, Stephen P. Good, Daniel M. Griffith, Julia-Maria Hermann, William A. Hoffmann, Soizig Le Stradic, Caroline E. R. Lehmann, Gregory Mahy, Ashish N. Nerlekar, Jesse B. Nippert, Reed F. Noss, Colin P. Osborne, Gerhard E. Overbeck, Catherine L. Parr, Juli G. Pausas, R. Toby Pennington, Michael P. Perring, Francis E. Putz, Jayashree Ratnam, Mahesh Sankaran, Isabel B. Schmidt, Christine B. Schmitt, Fernando A. O. Silveira, A. Carla Staver, Nicola Stevens, Christopher J. Still, Caroline A. E. Strömberg, Vicky M. Temperton, J. Morgan Varner, Nicholas P. Zaloumis.

Science 18 Oct 2019:

 

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