Revista de Psicofisiologia, 2(1), 1998

Ontogenia: do nascimento à velhice

1.3) A hereditariedade como mecanismo transmissor de caracteres fisiológicos e psíquicos.

Todo organismo humano começa quando um espermatozóide paterno penetra no óvulo materno havendo, assim, a fecundação. A partir daí um novo ser passa a existir e a se desenvolver rapidamente.

Quando a célula germinativa humana amadurece, ela se subdivide por um processo denominado meiose, indo dar origem a células haplóides, que são os espermatozóides no homem e os óvulos na mulher. Estas células são também chamadas de gametas. Cada espermatozóide ou cada óvulo contribui com 23 cromossomos para a formação do ovo ou zigoto. Desta forma a fusão dos dois núcleos dos gametas resulta em uma nova combinação cromossômica em que qualquer ser humano herda o mesmo número de cromossomos tanto da mãe quanto do pai. Os cromossomos são estruturas em forma de filamentos espiralados, ora longos, ora curtos, portadores dos gens responsáveis pela transmissão da hereditariedade. Em cada cromossomo há, aproximadamente 20 genes, ou 1.000.000 genes em cada célula humana. Dentro de cada espécie, o número de cromossomos da célula germinativa é constante.

Quando houvesse a meiose, os mesmos cromossomos fossem para cada um dos gametas ( espermatozóide ou óvulo), o mesmo indivíduo teria apenas dois tipos diferentes de gametas. Para cada acasalamento seria possível apenas quatro tipos de crianças geneticamente diferentes. Mas, no entanto, para as combinações de cromossomos dos gametas masculinos ou femininos, temos aproximadamente 8.402.608 espermatozóides ou óvulos geneticamente diferentes. Desta forma, um casal pode produzir milhões e milhões de zigotos distintos.

Esta enorme variedade de combinações possíveis de cromossomos faz com que, em uma mesma família, todos os irmãos, exceto os gêmeos idênticos, sejam geneticamente diferentes apesar das várias semelhanças físicas e psicológicas. Os gêmeos fraternos, embora nascidos em uma mesma época apresentam hereditariedades diferentes, pois são originários de células fecundadas diferentes. Entretanto, os gêmeos univitelinos são indivíduos derivados de uma mesma célula fecundada, e portanto são, geneticamente, iguais.

Umas das sérias inquirições da psicologia é quanto à possibilidade dos fenômenos psíquicos sofrerem influência da hereditariedade. Seria a inteligência característica transmissível de pai para filho? A personalidade seria herdada? Em que a hereditariedade contribuiria para a aprendizagem, para o comportamento esquizofrênico ou para o ajustamento? Ao que parece, de acordo com várias pesquisas realizadas, não são as características psicológicas em si que são herdadas, mas um conjunto de instruções ou programações para seu desenvolvimento. As instruções estão codificadas nos gens, que são os responsáveis pelo que chamamos de hereditariedade. A realização orgânica e cerebral desse programa de códigos depende de vários fatores, entre os quais o fator ambiental.

Chamamos de fator ambiental à soma total de estímulos que atinge um organismo vivo, de modo a traduzir o código genético determinado no momento de sua concepção. Todos os organismos humanos possuem gens que são recebidos dos pais. Esses gens, funcionam como uma programação ou conjunto de instruções que, quando traduzidos e decodificados pelo ambiente, determinarão as estruturas cerebrais, principais responsáveis pelos comportamentos.

O ser humano possui várias espécies de ambientes:

  • o ambiente intracelular

  • o meio intercelular

  • o meio intra-uterino

  • o meio físico-geográfico

  • o meio social.

Outra forma de considerar os fatores genéticos e do meio são sob a forma de : maturação e aprendizagem.

Para que a aprendizagem atue com eficácia no organismo humano é necessário que esse organismo esteja suficientemente maduro para receber tal atuação. Assim, seria desperdício de tempo e esforço tentar ensinar uma criança de cinco meses de idade a andar. Nesse caso dizemos que não houve maturação ou amadurecimento do organismo para tal comportamento.

A criança, ao nascer, é um indivíduo dependente do amparo e do cuidado. Não se alimenta sozinha, não se defende dos perigos, percebe confusamente o mundo exterior. Se não for cuidada e amparada, poderá morrer. O mesmo, entretanto, não acontece com os outros animais. Quanto mais complexo ele for na escala zoológica, mais maduro estará o organismo ao nascer, para enfrentar o meio ambiente. Dizemos que os animais possuem a especialização genética. O homem, ao contrário, tem que levar a cabo uma peregrinação de muitos anos para adquirir tais capacidades. Mas, nesta aparente fragilidade e imaturidade do ser humano ao nascer, em relação aos outros animais, é que está a sua grandeza. No nascer imaturo está sua enorme plasticidade ou capacidade de adaptações e aprendizagem variadas. A criança possui uma capacidade surpreendente de se ajustar aos mais diferentes contextos sociais e culturais. Além disto suas possibilidades de aprendizagem se desenvolvem continuamente. Os outros animais, ao contrário, já nascem mais maduros mas, em conseqüência, aprendem menos coisa durante a vida. Assim, esta aparente superioridade dos demais animais, por já apresentarem maior grau de maturação ao nascer, não procede, verdadeiramente.

Entretanto, para que o homem se desenvolva e aprenda tudo que sua potencialidade permite é indispensável, além de um certo grau de maturação, um meio ambiente que o estimule adequadamente. Muitos comportamentos além de andar, falar, correr e pegar, etc. dependem essencialmente de aprendizagem, como escrever, perceber, sentir, pensar, lembrar, imaginar e vários certos aspectos do sentir e integrar informações. A maioria dos seus comportamentos são em parte produto de aprendizagem, com exceção dos reflexos que são automatismos inatos.

A maturação cerebral significa desenvolvimento das estruturas neurofisiológicas, determinado pelas suas potencialidades genéticas e dependente de experiência vivida, chegar ao desenvolvimento do comportamento.

Para que haja aprendizagem, o homem deve, além de estar neurológicamente maduro, viver em um ambiente social humano e ser estimulado por esse ambiente. São bastante elucidativas as narrações acerca do comportamento de crianças que não viveram em ambiente humano, mas entre os animais. Tais crianças desenvolveram características puramente animais e não adquiriram ou perderam para sempre outros comportamentos humanos (Malson, 1964). Fornecem ricos dados sobre a importância de um ambiente social para o desenvolvimento de características humanas. Mas COUTINHO (1976), adverte a respeito da validade de tais experiências que não estão inteiramente sob controle. Mesmo assim, as observações do comportamento de crianças criadas por animais trazem importantes subsídios aos estudiosos do comportamento humano.