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Ilustração.artigo.Aristoteles.GoesIlustração mostra as quatro áreas do planeta onde os vírus analisados se originaram e estabelece correlações com maior desflorestamento - Reprodução da pesquisa-PPG Bioinformática ICB UFMGSurgimento de novas espécies de vírus da família coronavírus está relacionado a ambientes urbanos, desenvolvidos e poluídos, consequência de padrões insustentáveis de desenvolvimento em longo prazo em sociedades intensamente consumistas.

 

Essa é a constatação do artigo "Long-term unsustainable patterns of development rather than recent deforestation caused the emergence of Orthocoronavirinae species", publicado por grupo internacional de pesquisadores no periódico Environmental Microbiology.

Segundo o professor Aristóteles Góes-Neto, do Departamento de Microbiologia e coordenador do Programa de Pós-graduação em Bioinformática do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, o estudo, feito em escala global, observou a ocorrência e transmissão de vírus da família coronavírus. Para isso, levou em conta diversos fatores, como a influência do tamanho da população humana de uma região, sua densidade, seu índice de desenvolvimento humano (IDH), as emissões de CO2, a precipitação total da região, a precipitação do mês mais seco, a área de remanescentes florestais e o desmatamento.

"Analisamos todas essas informações por meio de modelos científicos quantitativos rigorosos e testes estatísticos robustos. Conseguimos provar a associação entre os fatores ambientais com a ocorrência desses vírus e a transmissão de novos vírus. Agora sabemos que ambientes mais populosos e mais úmidos ajudam na transmissão de vírus da família do coronavírus", explica o professor.

Góes-Neto conta que 60% das doenças são causadas por patógenos que originalmente vivem em animais, que, por meio da chamada transmissão interespecífica, rompem a barreira dos hospedeiros específicos e chegam a outras espécies, como a humana. O artigo trata especificamente de um vírus de uma subfamília do coronavírus, e sua escolha se deu por se tratar de um grupo com tendência ou propensão à transmissão interespecífica.

"Os vírus da família coronavírus ocorrem em vários mamíferos e aves. Eles podem ocorrer em morcegos e migrar para outra espécie como o humana, por exemplo, ocasionando a transmissão interespecífica. Foi o que ocorreu com o Sars-CoV-2, coronavírus que desencadeou a pandemia de covid-19", exemplifica o pesquisador.

Como essa família de vírus tem mais propensão a "pular" de uma espécie para outra, os pesquisadores buscaram entender quais fatores ambientais poderiam acelerar ou contribuir para essa passagem do animal para o ser humano. Para isso, eles analisaram 85 amostras de genomas de vírus da família do coronavírus e mapearam as relações de parentesco entre elas.

"Esse mapeamento mostrou que existem quatro regiões do planeta onde todos esses vírus se originaram, ou seja, há padrões e áreas principais de ocorrência no mundo. Além disso, constatamos que, ao observar gêneros ou espécies, temos distribuições mais restritas e heterogêneas", afirma o pesquisador.

COMÉRCIO E DESMATAMENTO

A pesquisa mostrou que não existe uma clara correlação entre a distância geográfica e os parentescos dos vírus. Góes-Neto afirma que a falta de correlação reforça a hipótese de que os seres humanos movem os hospedeiros dos vírus por meio do comércio e consumo de carne, além do tráfico de animais.

Outro fator importante para o espalhamento dos vírus é a destruição do ambiente habitado pelos animais hospedeiros. Os pesquisadores compararam lugares urbanizados e mais desenvolvidos, com populações densas e de pouca floresta, com lugares de perfil oposto. Ao fazer essas comparações nas quatro áreas principais, eles perceberam que havia correlações altamente significativas entre a presença desses vírus e lugares com maior desflorestamento.

"Sabíamos que, principalmente para animais selvagens, as fronteiras de desmatamento – áreas de muitas florestas com o ser humano chegando – eram as mais propensas para o vírus migrar dos animais para os humanos. Porém, os estudos mostraram que, para a família específica do coronavírus analisada, a relação é maior nas áreas que não são de fronteiras de desmatamento, ou seja, nas cidades", explica Góes-Neto.

PesquisadoresPesquisadores do Brasil, Índia e Estados Unidos que participaram do estudo - Arquivo PPG Bioinformática ICB UFMGNo caso específico do coronavírus, causador da covid-19, o pesquisador aponta que o mercado de animais vivos da China pode ter sido o responsável por fazer o vírus chegar à população humana.

Por isso, ele alerta que é urgente a mudança de paradigma atual de desenvolvimento da sociedade, que é altamente consumista, destrói as florestas e aumenta o índice de emissão de CO2.

"Isso não quer dizer que esses vírus não possam ser passados para os homens nas áreas de fronteiras de desmatamento, mas vimos que a probabilidade é maior nas grandes cidades onde ainda imperam as sociedades que não respeitam os recursos naturais", conclui.

 

LEIA O ARTIGO

Long-term unsustainable patterns of development rather than recent deforestation caused the emergence of Orthocoronavirinae species

Autores: Sérvio P. Ribeiro, Debmalya Barh,Bruno Silva Andrade, Raner José Santana Silva, Diogo Henrique Costa-Rezende, Paula Luize Camargos Fonseca, Sandeep Tiwari, Marta Giovanetti, Luiz Carlos Junior Alcantara,Vasco Ariston Azevedo, Preetam Ghosh, José Alexandre F. Diniz-Filho,Rafael Loyola, Maria Fernanda Brito de Almeida, Aristóteles Góes-Neto
Publicado em julho de 2022 na Environmental Microbiology e disponível online.

 

Redação: Luana Macieira - Cedecom UFMG

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