Enio Cardillo, ao lado de Jacqueline Alvarez-Leite e Rachel Horta Freire: pesquisadoras usaram o modelo experimental desenvolvido pelo visionário mestreProfa. Jacqueline Alvarez-Leite*

Meu grande mestre, o professor Enio Cardillo Vieira, sempre esteve décadas à frente de seu tempo. Teve uma carreira brilhante, inspirada no professor Baeta Viana, construída em uma época em que o número de publicações não era o único valor de um grande cientista. Além disso, ele fez doutorado quando a pós-graduação no exterior era para poucos. Muito mais incomum do que é hoje!

Foi ele quem trouxe para o Brasil os animais sem germes, em uma época na qual a microbiota não significava nada além de bactérias colonizando o homem. Com isso, trouxe também uma nova visão, diferente e ética, de o que seriam os cuidados com os animais em pesquisa, tornando-se um ícone em bioterismo.

Sua competência vai além de seu currículo lattes. Professor de "cuspe e giz", como se autointitulava, dava aulas magistrais, captando toda a atenção de uma turma de mais de 150 alunos, que viravam plateia, frente aos seus casos engraçadíssimos. Era enorme a riqueza dos detalhes que ele era capaz de relatar ao se referir às vias metabólicas. E com que simplicidade explicava ou desmistificava os conceitos da nutrição!! Assisti muitas vezes os alunos o aplaudirem após uma aula de "Química Fisiológica" para a Medicina, que ministrávamos juntos.

Tamanha capacidade e tenacidade o levaram a uma produção científica que resulta em centenas de trabalhos científicos. Orientou cerca de 30 estudantes de pós-graduação, oficialmente (e outros muitos oficiosamente), além de dezenas de estudantes de iniciação científica, sem contar os estudantes de ensino médio e até de ensino fundamental que ele atendia com a mesma atenção com que dispensava aos convidados estrangeiros.

Quantos médicos, biólogos, microbiologistas, educadores físicos, formados a partir dos anos 1960, passaram pelos ensinamentos do professor Enio? Quantos servidores técnicos e terceirizados receberam igualmente o olhar amigo e cuidadoso do professor? Dezenas...

No aspecto administrativo, quando necessário ele agia com energia, mas se destacou mais pela sinceridade, ao lado de sua objetividade e visão científica, que o tornaram respeitado chefe de departamento, coordenador de pós-graduação e membro de comissões da UFMG.

Sempre foi um cientista com olhos na saúde. Na medicina. Especificamente na nutrologia. Foi um dos pais da nutrologia no Brasil, especialidade médica que, nos anos de 1980, o teve como um de seus principais divulgadores. Sua habilidade para a educação era vista até mesmo no consultório médico, onde oferecia chocolates a seus clientes com obesidade para mostrar que o importante é o todo e não uma pequena parte de sua alimentação.

E foram muitos os seus amores. Além de sua família, a música clássica, o português bem falado e escrito, o Botafogo, o chocolate e a Universidade, dentre outros. Também era ferrenho na defesa da justiça social, do acesso à saúde para todos, e também o acesso à ciência e a popularização desse conhecimento.

Enio Cardillo amava a ciência e a educação de corpo e alma.

Dedicou sua vida a nos mostrar o melhor de ambas. E, agora em morte, continua sua função educadora doando seu corpo para estudo na Faculdade de Medicina da UFMG. Mais um exemplo de vida, até depois de sua morte.

 

* Médica, especializada em Nutrologia, doutora em Bioquímica e Imunologia, orientanda do professor Enio Cardillo e atual ocupante da cadeira 55 da Academia Mineira de Medicina.

 

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