Preferência pelo termo professor universitário pode contribuir para manter ciência longe do público comum
Menos de 20% da população dos Estados Unidos consegue dizer o nome de um cientista vivo. Os dados são de uma pesquisa realizada naquele país em 2017. No Brasil não é diferente. Quando questionados sobre conhecer (ou lembrar o nome de) um cientista brasileiro, a maioria dos entrevistados (86%, 87%, 93%, 90%, nas últimas quatro pesquisas nacionais, respectivamente) não conseguiu lembrar ou apontar sequer um nome de pesquisador contemporâneo.
“No Brasil a ciência é conduzida principalmente dentro das universidades, por professores e seus alunos de pós-graduação e pós-doutorandos”, afirma Adlane Vilas-Boas Ferreira, co-autora do artigo “‘Sou cientista, mas ninguém precisa saber’: para uma compreensão sobre a autodesignação profissional entre professores universitários no Brasil”. Para a professora do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, entretanto, a relação entre cientista e professor universitário, a natureza de sua atuação, bem como a instituição em que trabalham, parecem não estar muito claras para o público comum.
A pesquisa, realizada no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) UFMG, parece ter descoberto um dos motivos para o “gap”: nem os próprios cientistas brasileiros usam esse termo para se identificar. “Eles acham uma escolha natural não usar o termo “cientista” para designar seu trabalho na pesquisa e acreditam que professor universitário é apropriado, além de ser um título respeitoso”, afirma o estudo publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Na fase quantitativa do trabalho, apenas um entre os 21 entrevistados escreveu “cientista” para descrever sua profissão atual, enquanto oito se identificaram como professor universitário. Os termos mais utilizados pelos respondentes foram “professor” (8) e “biólogo” (6). O artigo usa o estereótipo do cientista no imaginário infantil, “uma pessoa estranha do sexo masculino”, para exemplificar possíveis lacunas na concepção do perfil do profissional da ciência e seu trabalho, citando estudos realizados em diferentes países ao redor do mundo.
A falta de clareza sobre quem são os cientistas, sobre o que fazem e onde trabalham pode ter consequências para o reconhecimento da ciência pelo público geral, podendo influenciar em questões como escolha de carreira profissional pelos jovens e até na destinação de investimentos para a pesquisa científica, afirma Adlane Ferreira. Ela acredita, porém, que a pandemia de covid-19 contribuiu como estímulo para uma mudança de cenário.
Os cientistas, em particular os especialistas da Biologia, foram chamados a expor seu conhecimento e trabalho em busca de soluções, aproximando-se da população através da mídia. A autoridade de professores e pesquisadores universitários passou a ser mais conhecida e respeitada. Ela acredita que a onda mundial de covid-19 esteja ensinando onde e como se faz ciência e que isso pode ajudar a aumentar a conscientização, inclusive, sobre a importância de investimentos em Ciência e Tecnologia.
LEIA O ARTIGO
“I am a scientist, but nobody needs to know”: towards an understanding about professional self-designation among university professors in Brazil"
https://doi.org/10.1590/0001-3765202220200763
Redação: Dayse Lacerda - Jornalista
Imagem: cedida pela pesquisadora