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O que acontece a nível molecular no cérebro de bebês que nascem com a Síndrome da Zika Congênita e por que somente uma minoria destes morre após o parto? Um estudo desenvolvido no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG em parceria com outras instituições de pesquisa revelou de maneira inédita como predisposições genéticas podem ser decisivas no rumo de uma gravidez atravessada pelo vírus da zika.

A chave, segundo os cientistas, estaria especialmente ligada a deficiências no nível de colágeno. Descoberta pode auxiliar futuras predições quanto à severidade do caso de fetos.

Apesar dos numerosos casos de contaminação pelo vírus da zika que ocorreram em 2015/2016, ainda há muito a ser descoberto em relação à Síndrome da Zika Congênita, quadro marcado pelo padrão de deficiências encontradas em fetos e bebês afetados pela doença.

Renato Aguiar

Microcefalia, dilatação dos ventrículos cerebrais e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, dentre outros, são sinais da síndrome que afeta uma pequena parcela de fetos cujas mães desenvolveram a febre zika na gestação. A proporção desses casos é de apenas 5 a 10%, de acordo com Renato Santana Aguiar (Foto), virologista e professor departamento de Genética, Ecologia e Evolução e também do programa de pós-graduação em Genética do ICB UFMG. Ele também esclarece que, o índice de casos que levam à morte são ainda menores, entre 0,5 e 1% do total.

Com essa disparidade em mente, o grupo de pesquisadores decidiu se voltar para os fatores genéticos. Se uma maioria das grávidas infectadas gera crianças normais, a possibilidade de a zika ser agravada por traços individuais prévios parecia um caminho importante a ser analisado.

Entre outubro de 2015 e julho de 2016 a pesquisa envolveu o acompanhamento de grávidas infectadas pelo vírus em regiões endêmicas do Rio de Janeiro e da Paraíba. Após os partos as análises foram centralizadas em oito casos que chegaram à morte dos bebês em até 48 horas após o nascimento. Os resultados foram publicados na última terça-feira, 9 de junho, na revista Science Signaling, da American Association for the Advancement of Science.

ANÁLISES POSTMORTEM

Para o levantamento de informações sobre as estruturas moleculares dos oito bebês foi necessário trabalhar diretamente com os cérebros através de autópsias post-mortem. A obtenção de dados extraídos de casos reais foi a chave para chegar a resultados inéditos. “Em laboratório não conseguimos mimetizar o cérebro de forma completa. Não temos o tecido cerebral propriamente dito”, explica Renato Santana, primeiro autor do artigo.

Renato Santana afirma que o pioneirismo do estudo é fruto justamente das restrições de conduzir pesquisas em um universo amostral de tão difícil acesso. Além de o coorte de afetados com casos fatais ser muito pequeno, para realizar análises do tipo é necessário contar com a compreensão de pais que sofrem com a dor da perda recente. “Precisamos agradecer muito às famílias que decidiram doar os órgãos de seus entes queridos para a realização da pesquisa científica”, destaca.

BIOLOGIA DOS SISTEMAS

Os fetos foram observados por médicos durante o período da gravidez com auxílio de ultrassons e ressonâncias para avaliar as alterações cerebrais. Em todos os casos foi detectado o genoma do vírus zika através de transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) em amostras de urina, plasma, fluido amniótico, placenta e cordão umbilical. Após o nascimento, nos oito neonatos destacados foram realizadas necropsias com patologistas.

Na observação dos cérebros postmortem foram utilizadas técnicas ômicas em um estudo em grande escala de genes e proteínas associadas à patologia. De acordo com Renato Santana, trata-se da técnica mais adequada para lidar com um universo amostral tão pequeno. O estudo se baseou em três metodologias modernas que lidam com o RNA, o DNA e as proteínas: respectivamente, transcritômica, genômica e proteômica.

A quantidade de dados geradas após todas as etapas foi vasta e complexa. Por isso os pesquisadores recorreram à biologia de sistemas, que emprega modelos matemáticos e computacionais para averiguar o cruzamento de informações, especialmente em relação aos fatores comuns das três camadas de análise do cérebro. “Por isso foi muito importante a parceria de colaboradores como o Laboratório Nacional de Computação Científica. Eles usam uma metodologia parecida com a inteligência artificial, sem a qual não conseguiríamos os mesmos resultados”, avalia o Renato Santana.

O PAPEL DO COLÁGENO

Com o auxílio da biologia de sistemas os pesquisadores chegaram a um rico material inédito. Dentre diversos aspectos biológicos que foram amplamente destrinchados no artigo, um ponto apareceu com primazia como fator de agravamento das consequências da zika. Os oito bebês acabaram falecendo em decorrência de problemas vasculares cerebrais. E o colágeno teve particular importância para esse desdobramento. Encontrado em diversas regiões do organismo, o termo é dado a um grupo de proteínas com papel estrutural em alguns tecidos do corpo humano.

“O colágeno fica na região endotelial das veias do cérebro e ele é importante para o fluxo sanguíneo. Toda veia comprime e relaxa bombeando o sangue. No caso dessas crianças nós vimos que as veias estavam cheias de sangue, como se ele não estivesse sendo transportado de maneira adequada. A deficiência do colágeno pode explicar isso”, esclarece o professor da UFMG. Dessa forma, os pesquisadores chegaram à percepção de que além de o vírus inibir a produção desse grupo de proteínas, os neonatos que faleceram possuíam mutações nestes mesmos genes, o que agrava ainda mais o cenário.

Um segundo sintoma reforça ainda mais a teoria. Crianças que falecem vítimas do vírus da zika possuem uma característica importante que as distingue das que conseguem sobreviver mesmo com microcefalia: a artogripose. Essa síndrome gera perda dos movimentos das pernas e dos braços, e os fetos ficam cada vez mais deformados no útero. E a mesma proteína também está associada a esta característica. “Além da sua localização endotelial, o colágeno se encontra nas extremidades ósseas dos braços e pernas. Então ele explica os dois fenótipos, tanto a microcefalia junto à morte quanto essa perda de movimentos”, afirma Renato Santana.

“O exoma já demonstrava que existiam mutações em genes de colágeno. Ou seja, o vírus por si só já causa as condições, mas os fatores genéticos agravam ainda mais os fenótipos. E muito possivelmente explicam o motivo de essas crianças falecerem enquanto a maioria sobrevive. Tanto elas quanto as mães possuem predisposição a perda de colágeno”, conclui.

REPLICAÇÃO MERCADOLÓGICA

Com a confirmação de sucesso da metodologia e a publicação na revista da American Association for the Advancement of Science, os cientistas avaliam aplicar o aprendizado da pesquisa em outras patologias. Nesse momento, estão estudando seu uso para contribuir nas pesquisas relacionadas à Covid-19. Como virologista, Renato Santana faz parte do grupo interdisciplinar da UFMG que tem se dedicado a gerar contribuições para lidar com a pandemia do coronavírus.

Participaram do estudo, além do especialista da UFMG, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de São Paulo, Centro Universitário UniFacisa, Laboratório Nacional de Computação Científica, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Butantan, Instituto Estadual do Cérebro e Instituto de Pesquisa Professor Amorim Neto.

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SERVIÇO

Artigo: Molecular alterations in the extracelular matrix in the brains of newborns with congenital Zika syndrome
Autores: Renato S. Aguiar, Fabio Pohl, Guilherme L. Morais, Fabio C. S. Nogueira, et al.
Publicação: Science Signaling, Vol 13, Issue 635, 9 jun. 2020. DOI: 10.1126/scisignal.aay6736

 

(Redação: Luíza França, Agência de Notícias do Cedecom UFMG)

 

CONTATOS PARA IMPRENSA
Professor Renato Aguiar Santana - Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - <>

 

 

 

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