Vivian costaVivian Costa exibe placa com a qual analisa a quantidade de partículas virais recuperadas de uma amostra | Júlia Duarte/UFMG

Um novo conceito de antiviral, projetado com ferramentas da biotecnologia, mostrou eficácia contra o zika e outros vírus transmitidos por mosquitos. Nessa abordagem terapêutica um peptídeo atravessa a barreira hematoencefálica – que envolve o cérebro –, controla a infecção sistêmica, reduz as cargas virais e protege contra a lesão induzida pelo zika. “Nossos resultados demonstram como as estratégias de engenharia podem ser aplicadas na geração de terapias peptídicas para tratar infecções virais neurotrópicas”, resume a professora Vivian Vasconcelos Costa Litwinski, do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

Por atuar contra todos os arbovírus, a nova terapia contorna um dos dilemas no tratamento das arboviroses, que é o reconhecimento tardio dos sintomas, indiferenciáveis clinicamente. Nas terapias atualmente disponíveis, enquanto espera resultado dos exames laboratoriais, o paciente demora a receber tratamento, o que reduz as chances de sucesso no uso de antivirais. Nos testes em modelo animal, o novo peptídeo funcionou como pós-tratamento, tendo sido administrado depois do terceiro dia de infecção. “Procuramos mimetizar o que acontece na vida real, pois as pessoas só são tratadas quando os sintomas começam a se manifestar, ou seja, quando o vírus já está se replicando”, explica o orientador da pesquisa, Mauro Teixeira, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Dengue.

Perfura como balão

A eficácia terapêutica do peptídeo foi avaliada em modelo de camundongo com infecção sistêmica e cerebral causada por zika vírus. Nos testes, o tratamento protegeu contra mortalidade, neurodegeneração, neuroinflamação e danos cerebrais, o que representa avanço no tratamento de arboviroses como dengue, zika, chikungunya e febre amarela. “Na realidade, descobrimos um conceito: que há tipos de nanoestruturas, como esse peptídeo, que interagem com o vírus e estouram sua membrana. Trata-se de um conceito novo de antiviral, pois não há outros que funcionem assim. Isso é uma novidade, mas ainda é necessário comprovar sua segurança para uso em humanos”, comenta Mauro Teixeira.

Um grande achado do trabalho é a constatação de que esse peptídeo não se aplica especificamente a zika, dengue ou ­chikungunya, mas consegue perfurar membranas virais como se fossem balões. “Assim, se a constituição e o tamanho das moléculas são similares, o peptídeo consegue se ligar a qualquer uma delas e eliminá-las”, explica Vivian Vasconcelos Costa.

Mauro Teixeira destaca que a pesquisa reúne duas grandes áreas do conhecimento – nanotecnologia e biotecnologia. “Muitos pensam que biotecnologia é só fazer genética, mas ela está em muitos campos, como em novos alimentos e em modelagem experimental, que fazemos de forma mais intensa em um dos eixos do INCT em Dengue”, diz, lembrando que o propósito do trabalho de Vivian Costa é observar parâmetros clínicos comuns em humanos e criar modelos experimentais que possam ser usados para todos os vírus.

“Nos últimos anos, temos buscado fazer estudos translacionais que abordam desde a célula in vitro até o paciente”, acrescenta a professora, que iniciou o trabalho em 2013, em pesquisa de pós-doutorado realizada em Cingapura, com testes desse peptídeo em modelo de dengue. “Quando retornei ao Brasil, em 2015, houve o grande surto de microcefalia, e decidimos estabelecer em laboratório um modelo para zika. Foi o primeiro trabalho que saiu do nosso grupo, mostrando o modelo e o papel de outras moléculas de neuroproteção, não voltadas para o vírus, mas para a célula”, relembra.

O atual estudo sobre o peptídeo também tem colaboração com pesquisadores do Singapore-Massachusetts Institute of Technology Alliance for Research and Technology (Smart Centre), fruto de parceria entre o Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, e a National Research Foundation of Singapore. De acordo com Vivian Costa, este é o primeiro trabalho que consegue mostrar de forma clara, em experimentos in vivo, a ação do peptídeo em todos os arbovírus. A equipe brasileira está realizando outros testes, com o intuito de obter novas gerações do peptídeo, que foi projetado com parte da sequência genética utilizada pelo vírus da hepatite C para entrar nas células.

O trabalho se realiza no âmbito do INCT em Dengue, que mantém intensa colaboração com vários pesquisadores do Brasil e tem quatro grandes eixos: ciência básica (para geração de conhecimento na forma como são feitos diagnósticos, tratamentos e estabelecimento de prognósticos), educação, vetor e estudos humanos.

A pesquisa está descrita no artigo Therapeutic treatment of zika virus infection using a brain-penetrating antiviral peptide, assinado também por pesquisadores do Singapore-Massachusetts Institute of Technology Alliance for Research and Technology (Smart Centre) e publicado no dia 22 de agosto na revista Nature Materials.

(Boletim UFMG 2.039)