Revista de Psicofisiologia, 2(1), 2000

O Sono, destacando o sonho, o ritmo biológico e a insônia

5.4) Sonhos criativos

    Garfield (1977), PhD em Psicologia Clínica da Temple University of Philadelphia, viajou por dezoito meses pela Europa, Oriente Médio, Extremo Oriente e llhas do Pacífico, onde colheu dados e realizou extensas pesquisas. Ela ensina a programar e controlar os sonhos; como entendê-los, utilizá-los e tornar-se consciente durante o sonho, ampliando assim, o campo da percepção, facilitando a resolução de problemas pessoais e profissionais. Veremos alguns casos:

  • Como planejar sonhos:
    "As pessoas diferem-se da capacidade de recordar-se de seus sonhos, não da capacidade de sonhar." (Garfield, 1977). Pesquisadores nos laboratórios dos sonhos, têm-se interessado mais pela forma dos sonhos do que propriamente por seu conteúdo ou significado. Por outro lado, pode-se concluir porém que é possível controlar os sonhos, este controle é conseguido pelas pessoas através da auto-observação correta, para poderem fornecer a si mesmas as informações de retorno a fim de modelarem os seus sonhos.

    Através do controle dos sonhos, as pessoas podem moldá-los de forma que eles se tornem utilmente conscientes. As soluções que eles produzem para os problemas e as criações artísticas que eles permitem, enriquecem a vida real. A medida que este ciclo de amadurecimento prossegue, a pessoa funciona  cada vez mais como um todo, uma unidade humana, parte da qual funciona enquanto a pessoa está  acordada e parte da qual funciona enquanto a pessoa está sonhando e, cada uma delas promove e auxilia o desenvolvimento da outra.

    Ornstein, pesquisador no Lan Gley-Porter Neuropsychiatric Institute de São Francisco, baseia sua teoria de que o hemisfério esquerdo do cérebro especializa-se nos processos mentais racionais, enquanto que o direito dedica-se a funções criativas e intuitivas, nas pessoas destras. De fato, Foulkes (1996) considera que o núcleo central da consciência do sonho é em síntese o mesmo do acordado, envolvendo ambos os lobos frontais hemisféricos, o sistema límbico e as áreas da memória. A cultura ocidental dá ênfase à racionalidade enquanto que a oriental enfatiza a intuição, mas ambos são importantes no indivíduo total. "Se usarmos nossa mente em estado de vigília, para moldar nossos sonhos e aceitarmos na vida real os produtos criativos dos mesmos, provavelmente estaremos integrando os poderes de nossa mente." (Garfield, 1977).

  • Sonhadores da Antigüidade e de hoje: executavam um grande número de rituais para obterem os sonhos. Possuíam uma técnica especial conhecida como "incubação do sonho", que era definida como o ato de ir a um local sagrado com o propósito de dormir para sonhar com um deus, ou sobre um deus, pois acreditavam que precisavam de deuses e templos. Isto ficou famoso na Grécia antiga à consulta aos oráculos do Templo de Delfos. Os sonhos eram usados como instrumento para obter resposta às suas indagações ou para curar moléstias.

    As técnicas modernas do uso dos sonhos como instrumento terapêutico descendem das práticas utilizadas pelos antigos. De acordo com eles, os elementos essenciais para se induzir o sonho que se quer ter são: 1º) Colocar-se num lugar onde não esteja sujeito a nada que o distraia do assunto do sonho que procura ter, 2º) Formular claramente o sonho que se deseja, definindo bem o assunto, por exemplo: "Quero um sonho que me diga o que fazer sobre...", "Quero sonhar que estou voando." etc, 3º) Após formular claramente o assunto, traduzir a intenção em frase concisa e positiva, por exemplo: " Hoje à noite eu vou voar em meu sonho.", 4º) O corpo deve estar completamente relaxado quando fizer sugestões para um determinado sonho, 5º) Durante o estado de sonolência e descontração, repetir para si mesmo, diversas vezes, o sonho que se quer ter, 6º) Visualizar o sonho desejado como se ele estivesse acontecendo. Visualizar os resultados dele, 7º) Acredite que seu subconsciente pode produzir o sonho desejado, 8º) Depois que o sonho induzido foi obtido, deve-se rever sua mensagem e considerar sua sabedoria e aplicabilidade. Enquanto ainda estiver na cama pela manhã, em estado sonolento, pense sobre as imagens do sonho da noite. Escolha o mais significativo e faça-o reaparecer em sua memória. Questione os elementos que surgirem, as imagens, as pessoas. Procure definir o caráter dominante e o dominado. Registre tudo no tempo presente. Compartilhe com outras pessoas os seus sonhos, 9º) Faça observações ou desenvolva atividades importantes para o sonho desejado, especialmente antes de dormir.

    A indução do sonho é uma técnica a ser aprendida, portanto exige-se tempo, prática e acima de tudo persistência.

  • Sonhadores criativos: no passado a maior parte deles descobriu a inspiração nos sonhos por acidente, porém pode-se induzir deliberadamente sonhos de criações artísticas. À medida que se aprende a recordar e registrar os sonhos, há possibilidade de se dar o primeiro passo no sentido de poder usar o poder criativo em toda sua extensão. Os elementos da produção criativa estão por toda parte e sobretudo dentro de cada pessoa. O material já existe, o que falta é uma recombinação para que se torne criativa. Quanto maior e mais variado o campo da experiência pessoal da pessoa criativa, maiores suas possibilidades de descobrir uma nova combinação.

    Nos sonhos têm-se acesso à grande coleção de fatos estocados durante toda a vida da pessoa. À medida que a pessoa desenvolve maiores aptidões para os sonhos criativos, maior a probabilidade de ter sonhos criativos mais consistentemente. Ao produzir e usar os símbolos dos sonhos criativos no estado acordado, a pessoa fará mais do que criar um produto e sim criar a sua autêntica personalidade.

    Alguns aspectos considerados essenciais pelos sonhadores para o alcance dos "sonhos criativos", são: 1) Eliminar imagens amendrontadoras através do desenvolvimento de imagens positivas, 2) Acumular experiências vividas e deixá-las registradas, 3) Adquirir informações relevantes sobre o assunto de interesse e envolver-se por completo, 4) Desenvolver aptidões conscientes no campo de interesse, de forma a gerar um produto criativo tanto dormindo quanto acordado, 5) Concentrar atenção no assunto de interesse por diversos dias, 6) Após ter o sonho criativo, visualizar e registrar o mais rápido possível, escrevendo, citando, gravando ou representando, transportando-o para uma forma concreta, 7) Dar atenção especial aos sonhos repetidos, peculiares e excêntricos, 8) Livrar-se de processos mentais rígidos para abrir o campo da percepção, 9) Permitir-se oportunidade, tranqüilidade e privacidade para o trabalho criativo, 10) Persistir em produzir e usar os símbolos de seus sonhos, de forma a integrar a personalidade e aumentar a probabilidade de ocorrência de produtos criativos, 11) Julgar os sonhos criativos ou as idéias somente após gerá-los e nunca durante, 12) Desenvolver aptidões avançadas sobre sonhos criativos.

  • Sonhadores índios norte-americanos: atribuíam importância especial aos sonhos, como parte do sistema religioso, através da comunicação com os espíritos sobrenaturais e como parte integrante do sistema social, visto que as pessoas que sabiam interpretá-los ocupavam posição de destaque na vida tribal.

    Quase sempre os sonhos eram utilizados para prever o futuro, havendo rituais para afastar os sonhos maus e atrair os sonhos bons. Algumas vezes os sonhos eram utilizados para tratamento de problemas psicológicos, como se fosse uma psicoterapia primitiva, à qual se descobriam desejos ou a indicação de que se deveriam adotar certos rituais para a necessária cura. Cada tribo considerava que seu método de utilização do sonho era o melhor.

    Há muitos pontos de semelhança entre os sonhadores da antigüidade e o dos índios norte-americanos. Ambos aprenderam a importância dos sonhos e desenvolveram técnicas para se obter sonhos com sucesso. As pressões culturais levaram à criação de "um sonho padrão de cultura", um sonho exigido pela sociedade em que viviam. Tanto os sonhadores da antigüidade quanto os índios recebiam recompensas se tivessem um sonho "correto" para a sociedade deles.

    Em nossa sociedade não há um "sonho padrão" e nem recompensas pelos sonhos premonitores. A recompensa pelos sonhos criativos vem pelo prazer do produto criativo ou do desenvolvimento de uma aptidão na vida consciente.

    Alguns princípios que podemos extrair dos costumes dos índios norte-americanos são: 1) As pessoas que considerem os sonhos importantes e válidos estão naturalmente predispostos a lembrar-se deles e utilizá-los. Aprimorando as técnicas para sonhar criativamente, os sonhos serão mais completos, 2) Pode-se considerar o estado de sonho como um outro nível da realidade, portanto os amigos no sonho podem ser tão reais quanto os amigos que se pode tocar quando acordado, 3) Quanto mais tranqüilo for o seu dia, maior a probabilidade de ter sonhos e de ter consciência deles, 4) Os símbolos apresentados durante o sonho geralmente tem relação com fatos concretos da vida da pessoa, 5) O uso apropriado dos sonhos leva ao desenvolvimento das próprias habilidades, aprimorando as aptidões e permitindo à pessoa tornar-se mais independente, com maior autonomia e determinação.

  • Sonhadores senoi abrangem uma grande tribo primitiva, em torno de 12 mil indivíduos, que vivem nas florestas montanhosas da Malásia. Suas casas familiares são construídas para durar de cinco a seis anos. Alimentam-se de abóboras, inhames, bananas, arroz, e mandioca, que plantam na floresta. São basicamente vegetarianos, mas caçam alguns animais e pescam. São um povo essencialmente musical e completamente pacífico. Embora cooperativos, são individualistas e criativos, evidenciando um notável amadurecimento emocional, segundo pesquisadores que fizeram observações durante longos períodos. Acredita-se que esta maturidade emocional seja conseqüência do uso excepcional que os senoi fazem de seus sonhos.

    Os senoi possuem três regras básicas para os sonhos:

1. Enfrentar e vencer o perigo em um sonho, sempre atacar a imagem e nunca fugir. Lutar com o inimigo até a morte se for necessário. Para os senoi, a morte de um inimigo no sonho liberta uma força positiva que será útil posteriormente. Qualquer pessoa que no sonho se mostrar agressiva ou recusar a ajudá-lo deve ser vista como inimigo. Nos sonhos só são inimigos enquanto se tem medo deles. Após vencer a agressão do inimigo, deve-se pedir um presente a ele tal como um poema, uma canção, uma idéia etc, para se obter um reconhecimento do mesmo na vida real. Deve se correlacionar os fatos do sonho com a vida real; se um amigo negar ajuda no sonho ou se mostrar agressivo, deve-se dizer isto a ele para que possa desmanchar esta imagem negativa, na vida real. Se a própria pessoa que sonha se mostra agressiva no sonho, deve-se tentar ser mais amável na vida real. Se outra pessoa, se não o que sonha, for atacada no sonho, deve-se dizer a ela para que possa se prevenir na vida real.

2. Alcançar de encontro ao prazer, gozar as sensações permitindo que elas continuem e intensifiquem até conseguir o prazer total. Os Senoi acreditam que o amor em sonhos nunca é excessivo, incestuoso ou impróprio e que representa partes que precisam ser integradas. Deve-se pedir um presente ao amante no sonho, para se obter um reconhecimento na vida real.

3. Alcançar um resultado positivo, seja qual for a situação no sonho. Deve sempre agir no sentido de obter um final benéfico. Se a situação no sonho for de medo ou constrangedora, deve-se revertê-la para uma situação de prazer e descontração para alcançar um resultado agradável. Por exemplo, se estiver caindo comece a voar e chegue a um lugar interessante e desfrute de todos as sensações agradáveis ao máximo.

    Através das regras dos Senoi de controle dos sonhos, pode-se desenvolver autoconfiança e criatividade na vida real. Os vôos em sonhos permitem uma sensação de liberdade interior e abertura para novas aventuras. Os poemas e canções que emergem na mente ao acordar, dão uma grande satisfação de criatividade.

    O sistema senoi proporciona às pessoas um meio de enfrentar os medos onde eles se originam, ou sejam na mente, sem haver necessidade de anos de terapia. As pessoas podem trabalhar em seus problemas enquanto dormem e podem obter progresso, evitando que seus receios aumentem e até mesmo eliminar os que já existem. Enfim, o sistema senoi pode promover a saúde emocional.

  • Sonhadores lúcidos: tem consciência de estar sonhando. Esta consciência pode variar do simples pensamento à uma libertação total do corpo, tempo e espaço. Eles sentem o sonho como se fosse real, tendo a liberdade de criar praticamente qualquer acontecimento que queira.

    No sonho lúcido a consciência que aparece no sonho é o ponto central, sendo a ação um fator secundário. O sonho lúcido é o sonho no qual se está consciente de sonhar e o sonho pré-lucido é aquele no qual se suspeita de estar sonhando, sem a compreensão total de estar realmente sonhando.

    Os sonhos lúcidos oferecem oportunidades ilimitadas para experimentações: vôos, percepção extrasensorial, praticar técnicas, aperfeiçoar aptidões, vencer medos irracionais, portanto tudo é possível em um sonho lúcido. Pode-se até mesmo programar um sonho lúcido ou esperar para escolher o que se quer sonhar depois de iniciá-lo.

  • Sonhadores Iogues: desenvolveram um controle de seus corpos que podem entrar em estado de meditação para aumentar a capacidade de controle dos sonhos. Ao alcançar a consciência no sonho, deve-se induzir nele quaisquer alterações que desejar, reconhecer as imagens amedrontadoras e identificar os sonhos como sonhos enquanto ainda estiver sonhando. Os Iogues acreditam que os sonhos uma vez identificados como sonhos, podem tornar-se completamente livre do medo, proporcionando sonho com propósitos criativos e terapêuticos.