Revista de Psicofisiologia, 2(1), 1998

Panorama do sono e dos sonhos

4 - A BASE BIOQUÍMICA DO SONO E DO SONHO

 A teoria bioquímica do sonho só pôde ser construída a partir do momento em que se reconheceu a existência um terceiro estado no ciclo vigília-sono e procurou-se relacioná-lo a estruturas anatômicas. Reconhecia-se que o córtex cerebral não possuía papel ativo na eclosão onírica, fazendo-se necessário definir qual era a parte do tronco cerebral responsável pelo desencadear desse estágio. Os cientistas então fizeram um número exaustivo de experimentos, onde núcleos eram lesados e os comportamentos analisados. O Complexo Cerúleo, no qual se concentram noradrenalina e em seu redor enzimas que destroem a monoamina oxidase, demonstrou ser então o "centro do sonho".

Os neurônios do núcleo da rafe contém grande quantidade de serotonina. O esgotamento dessa serotonina provoca insônia intensa, com o desaparecimento do sono MOR e NMOR. A destruição bilateral dos núcleos cerúleos, provoca uma cessação completa do sono MOR, mas não tem influência sobre o sono NMOR. Esgotando-se a serotonina e a noradrenalina pela administração de reserpina ocorre insônia intensa, demonstrando a importância do núcleo da rafe no iniciar do sono NMOR.

Fig. 1 - Participação das substâncias transmissoras monoaminérgicas no ciclo vigília-sono. A liberação da serotonina das terminações sinápticas dos Núcleos da Rafe, desencadeia o sono NREM. Este é o precursor do sono REM, que se inicia após a ativação dos Núcleos Cerúleos, secretor de Noradrenalina. A sequência rítmica desses processos é determinada por marca-passos circadianos e infradiano (Modificado de Jouvet)

 

A serotonina é indispensável para o sono NMOR, a noradrenalina para o sono MOR, que só é possível quando precedido do sono NMOR (Fig.1).

Dentro da teoria monoaminérgica, temos 3 hipóteses para testar os mecanismos de aparição do sonho, que não são ainda conhecidos com exatidão. Primeiro, os neurônios serotoninérgicos da ponte preparam as pré-condições necessárias para que o sonho aconteça. Provas desse fato é a ausência de sonho após a inibição da síntese de serotonina e a enorme ocorrência de sonho assim que o "turn-over" da serotonina é aumentado.

Segundo, mecanismos colinérgicos desempenham papel importante. O sonho pode ser suprimido através de drogas anticolinérgicas como a atropina e aumentado, em determinadas condições, por agonistas de acetilcolina.

A última hipótese é a catecolaminérgica. A seqüência de acontecimentos complexos que conduzem ao sonho pode ser esquematizada da seguinte maneira: o início do adormecimento pode ser, às vezes, um fenômeno passivo, pela diminuição da atividade dos neurônios catecolaminérgicos do sistema nervoso simpático. Ao estágio I do sono sucederia a atuação ativa dos neurônios serotoninérgicos do núcleo da "raphé". A maior liberação da serotonina, no núcleo da raphé, levaria à aparição dos estágios III e IV. Os terminais serotoninérgicos situados na altura da ponte, colocariam então em ação os grupos de neurônios colinérgicos e catecolaminérgicos do complexo cerúleo.1, 9