Revista de Psicofisiologia, 2(1), 1998

Ontogenia: do nascimento à velhice

6.5) A doença de Alzheimer

As demências são caracterizadas por deterioração da capacidade intelectual prévia suficiente para interferir com a convivência social e a vida profissional. Na síndrome plenamente desenvolvida são evidentes a alteração da memória e pensamento abstrato e a dificuldade de julgamento. Ocorre modificação da personalidade com mudança ou acentuação de traços prévios. A evolução é lentamente progressiva, embora possam haver flutuações.

Tipicamente, o que se observa na Doença de Alzheimer (DA) é um indivíduo com mais de 60 anos com progressiva dificuldade de memória e julgamento e com alteração de afeto: recados e compromissos são esquecidos; ocorrem equívocos na atividade profissional, com perda de competência e dificuldades em tomar decisões; observa-se irritabilidade e perda de interesse, com retraimento social; interesses pessoais e hobbies são abandonados; pode haver negligência com a higiene e cuidados pessoais. Embora esta seja a apresentação mais comum, não se deve esquecer que a DA pode iniciar como alterações cognitivas focais, das quais as mais freqüentes são a alteração de fala, em geral com progressiva dificuldade de expressão, com dificuldade para vestir-se, usar talheres e escrever, desproporcional à deterioração global.

O diagnóstico de certeza de DA só pode ser feito pela demonstração de alterações patológicas compatíveis, em material de biopsia ou necrópsia. Como a biópsia cerebral não é um exame de rotina e implica em riscos, alternativamente pode ser feito o diagnóstico clínico de provável DA, na presença de sintomas compatíveis (déficit de memória e em duas ou mais áreas cognitivas, com caráter progressivo), desde que excluídas outras causas de demência. Atualmente métodos não invasivos modernos foram desenvolvidos e podem ser poderosos instrumentos que facilitam o diagnóstico como a Tomografia transitorizada comum ou com emissão de positron, ressonância nuclear magnética etc. O quadro anteriormente mostrado indica alguns dos diagnósticos diferenciais mais comuns e como podem ser pesquisados. Desde que se utilizem critérios rigorosos, a chance de acerto no diagnóstico de DA, baseado apenas neste tipo de investigação é superior a 80%.

A dificuldade de memória no idoso não significa necessariamente demência, menos ainda DA. Deve ser lembrado que é extremamente comum a perda benigna limitada apenas à memória, diferente do acometimento global encontrado na DA. Caberia aqui lembrar que a velhice não implica deterioração mental, apesar de muito mais freqüente em idosos, a DA afeta apenas uma minoria, no máximo 15% das pessoas com mais de 65 anos. Para a maioria, o envelhecimento é o período em que a experiência adquirida, aquilo que poderíamos chamar de sabedoria, compensa o natural declínio da capacidade física, permitindo que a vida continue aproveitada em sua plenitude.

Devem ser lembradas outras causas de quadro sugestivo de DA. Na depressão, as alterações encontradas no exame são predominantemente de humor, orientação e memória. A cognição não costuma mostrar as alterações encontradas na DA. A demência multi-infarto ocorre em hipertensos. Na hidrocefalia de pressão normal podem ser observadas, além da demência, incontinência urinária, que só aparece tardiamente na DA e descoordenação da marcha. Na doença de Parkinson e na coréia de Huntington a demência está associada a distúrbios de movimento, evidenciáveis ao exame neurológico. Na neurosífilis é descrita paranóia com delírios de grandeza com parte das alterações mentais e o exame de liquor serve para diagnóstico. Para outras causas de demência, como as alterações endócrinas, é necessária a suspeita clínica, seguida pela investigação laboratorial.

Na DA ocorrem alterações principalmente nos córtices associativo frontal, têmporo-parietal e occipital e no hipocampo, o que explica distúrbios de fala, coordenação, cognição e memória. O exame anatomopatológico mostra placas senis, degeneração neurofibrilar e angiopatia amilóide ao lado do desaparecimento dos grandes neurônios piramidais. As placas senis são compostas de um núcleo de material amorfo, rodeado por neurônios em degeneração e por astrócitos, as células responsáveis pela "cicatrização "do tecido cerebral. As placas senis aumentam com a idade, e o que diferencia um indivíduo normal de um com DA é a maior quantidade nesta doença.

Apesar das alterações tão marcadas no córtex, uma importante modificação na DA ocorre profundamente no cérebro. Há perda de neurônios em uma estrutura chamada núcleo basal de Meynert, de onde se projetam, para todo o córtex, neurônios que usam a acetilcolina como neurotransmissor. Como resultado, na DA existe diminuição da atividade colinérgica. A importância disto ainda está por ser completamente explicada mas, em jovens, a administração de drogas que antagonizam a atividade da acetilcolina provoca dificuldade de memória. Embora seja a mais consistente, a deficiência de acetilcolina não é a única alteração neuroquímica na DA. Verificaram-se, por exemplo, alterações em aminoácidos excitatórios que, em animais, estão envolvidos no processo de aprendizado. Estes déficits podem ser importantes ao tratamento da DA.