Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A loucura e o controle das emoções

5) ANSIEDADE (serotonina e GABA)

Estímulos ambientais que possam indicar perigo ou ameaça, desencadeiam uma série de reações cognitivas, sensório-perceptivas e neurovegetativas. O conjunto dessas reações designa o medo, principal emoção envolvida nas experiências de ansiedade. A partir deste ponto de vista, a ansiedade pode ser considerada como uma disposição orgânica que confere ao indivíduo melhores condições de preservação de sua integridade dentro de seu contexto ambiental.

A ansiedade pode chegar a prejudicar a vida do indivíduo tomando proporções patológicas. Neste caso ela se caracteriza por sensações de perigo e medo sem que haja uma ameaça real, ou sem que esta ameaça seja proporcional à intensidade da emoção.

O estudo da ansiedade não pode deixar de recorrer a estudos de laboratório, de caráter comportamental, neurofisiológico, neuroquímico e morfológicos feitos com animais. Os animais são submetidos a situações ansiogênicas e a drogas ansiolíticas em concentrações ou doses compatíveis com aquelas necessárias ao tratamento clínico humano, e desta forma se torna possível observar o fenômeno da ansiedade no animal afim de validar os chamados modelos experimentais.

Um dos modelos experimentais mais utilizados é o teste de conflito ou punição. Este consiste em treinar um animal a pressionar uma barra para obter uma recompensa.

Aprendido este comportamento, passa-se a aplicar um choque nas suas patas após cada pressão da barra. Com a progressiva intensificação do choque, o animal passa a viver uma situação de conflito entre suas expectativas de recompensa e punição e passa a refrear seu comportamento. Porém, o choque passa a vir junto com a recompensa. Os animais do grupo experimental recebem injeções de tranquilizantes passando a não temer mais o choque e apresentando o comportamento punido.

Este modelo experimental é de grande importância para os estudos de farmacologia e principalmente por ser o que melhor permite estabelecer correlações tanto quantitativas quanto qualitativas entre a ação ansiolítica no animal e no homem.

Consolidado o conceito do sistema límbico como o de um verdadeiro cérebro emocional visceral incorporado ao hipotálamo, foi possível relacionar a ligação das emoções (desencadeadas pelo ambiente reforçador ou punidor) com o funcionamento do organismo. Ao descreverem o quadro de hipersexualidade e inadequação sexual em animais lesados, cientistas da Universidade de Chicago puderam constatar a influência do lobo temporal no que diz respeito ao par antagônico emocional de raiva e placidez. Tais lesões levavam o animal a copular com outras espécies e até mesmo com animais inanimados que, então, se apresentavam menos agressivos e mais tranqüilos após a lesão.

Através desses testes verificou-se que as drogas que bloqueiam os receptores de serotonina liberavam o comportamento punido, tendo efeito anti-conflito semelhante ao das drogas ansiolíticas.

A serotonina 5-HT é uma substância importantíssima no estudo neuroquímico da ansiedade. Tanto o bloqueio de seus receptores - como foi dito anteriormente - quanto o bloqueio da sua síntese, produzem efeitos ansiolíticos. Comprovou-se, também, que a 5-HT exerce um duplo papel na regulação da ansiedade. Ela exerce um papel ansiogênico na amigdala e ansiolítico na matéria cinzenta periaquedutal dorsal ( MCPD ).

A amigdala parece ter a função de avaliar o grau de ameaça para, em seguida, instruir estruturas executivas quanto ao tipo de reação de defesa a ser programado. A MCPD deve ser acionada somente em casos de perigo iminente. Assim sendo, faz sentido que os sistemas neuronais serotoninérgicos inibam a MCPD, enquanto facilitam o processamento de informações relativas à defesa na amigdala. Deste ponto de vista o duplo papel da 5-HT pode ser considerado como tendo um valor adaptativo.

O efeito ansiolítico da ritanserina pode ser explicado pelo bloqueio dos receptores de 5-HT na amigdala. Do mesmo modo o efeito dos agentes anti-depressivos, assim como dos ansiolíticos tipo bupirona ( que aliviam a ansiedade generalizada após o uso prolongado ), se dá pela diminuição do número e/ou sensibilidade dos receptores 5-HT. O efeito ansiolítico comum a todos esses agentes seria, sobretudo, devido à redução da eficácia da via serotoninérgica que vai do núcleo dorsal da rafe até a amigdala.

As reações de pânico se dão ao nível da MCPD, onde a 5-HT parece exercer um papel inibitório sobre os neurônios que comandam a reação de defesa. Assim sendo, a ritanserina não exerce efeito anti-pânico pois seu efeito se dá ao nível da amigdala.

Há fortes indícios da participação da 5-HT no mecanismo de ação dos diversos medicamentos anti-depressivos e ansiolíticos e, ainda, na patogênese de certos distúrbios de ansiedade e depressão. Supõe-se que as diferentes vias serotoninérgicas e seus vários subtipos de receptores participem de forma seletiva em cada modalidade de distúrbio emocional e na sua resposta farmacológica, o que explica, de certa forma, as peculiaridades das respostas terapêuticas encontradas na clínica.

Outro neurotransmissor importantíssimo envolvido com os processos de ansiedade é o GABA ( ácido gama-aminobutírico ), o principal neurotransmissor inibitório do SNC. Ele está presente em quase todas as regiões do cérebro, embora sua concentração varie conforme a região.

A inibição da síntese do GABA ou o bloqueio de seus neurotransmissores no SNC, resultam em estimulação intensa, manifestada através de convulsões generalizadas.

A relação entre o GABA e a ansiedade evidencia-se no fato de que todos os ansiolíticos conhecidos, afora o meprobamato, facilitam sua ação. Seu efeito ansiolítico seria fruto de alterações provocadas em diversas estruturas do sistema límbico, inclusive a amigdala e o hipocampo.

Ao se combinar com o receptor, o neurotransmissor GABA altera-lhe a conformação e essa deformação transmite-se ao canal de Cl (Cloro), abrindo-o. Em conseqüência, íons Cl penetram na célula, onde sua concentração é menor que no exterior. Com isso ocorre uma hiperpolarização da membrana pós-sináptica que inibe os disparos do neurônio pós-sináptico por dificultar a despolarização de sua membrana, necessária à geração de impulso nervoso.

Ao se combinarem com seus receptores, os benzodiazepínicos produzem uma deformação que afeta o receptor de GABA, tornando-o mais apto a receber esse neurotransmissor. Em decorrência de sua maior afinidade com seu receptor, o GABA tem sua ação ampliada, passando a ativar com mais facilidade o canal de Cl. Já os barbitúricos, intensificam a ação do GABA ao facilitar a abertura do canal de Cl. O álcool etílico parece fazer o mesmo, mas através de uma fluidificação da membrana celular.

Outras drogas atuam na unidade supramolecular que contém o receptor de GABA em sentido oposto ao dos ansiolíticos As beta-carbolinas, por exemplo, combinam-se com o receptor benzodiazepínico de modo a provocar no receptor de GABA uma deformação que reduz sua afinidade com o neurotransmissor. Também o pentalenotetrazol ou cardiazol atua sobre o canal de Cl-, dificultando sua abertura.

De que forma a ação do GABA afeta o funcionamento de determinados grupos neuronais do sistema límbico, produzindo a ação ansiolítica, ainda não possui uma resposta precisa. No entanto, poderíamos dizer que a ação tranqüilizante dos ansiolíticos parece consistir em reduzir o funcionamento de grupos neuronais do sistema límbico responsáveis pela integração de reações de defesa contra ameaças de dano ou perda, ou, ainda, evocadas por situações novas.

A espécie humana experimenta várias formas de ansiedades diferentes e o nosso conhecimento sobre o cérebro ainda é de certa forma precário, o que dificulta o desenvolvimento de compostos mais eficientes e seguros no combate à ansiedade e à depressão.

No início do século os compostos mais utilizados eram os barbitúricos, sobretudo o Gardenal ( usado no tratamento da epilepsia ). Ele é eficaz como ansiolítico, no entanto produz uma série de efeitos colaterais tais como: sedação, dependência psicológica e fisiológica, em altas doses podendo levar a intoxicações graves e à morte por depressão de certos centros nervosos.

Nos anos 50 o meprobamato ( lepenil ) se tornou muito popular, mas não passou de uma tentativa mal sucedida de substituir o fenobarbital. Ele era mais caro, menos eficaz e quase tão perigoso quanto os barbitúricos, sendo por isso logo abandonado.

Em 1960 foram introduzidos os benzodiazepínicos (diazepan) mais eficazes e menos nocivos que os barbitúricos e vieram praticamente substituí-los no tratamento da ansiedade e da insônia.

Embora os benzodiazepínicos produzam efeitos colaterais mais brandos, seus níveis de consumo são preocupantes. Só em 1984, no Brasil, foram consumidos 38 milhões de frascos. Existe uma expectativa quanto ao aumento de casos de ansiedade nos dias de hoje e esse fato é preocupante, ao passo que o tratamento farmacológico desses casos apresenta limites e riscos não totalmente controlados no campo científico.