Dois decênios na meta modernizante de um instituto básico numa universidade federal brasileira, com ênfase em recursos humanos e produtividade científica


 

Fernando Pimentel Souza
Instituto de Ciências Biológicas, UFMG

 

As estruturas das escolas públicas superiores e do ensino nos últimos decênios

As propostas de reforma universitária no Brasil podem ser classificadas em: tradicionalista, modernizante e radical1. Na tendência modemizante podemos citar, desde os idos de 1920-1930, os trabalhos de Anisio Teixeira e Fernando de Azevedo, as experiências da Universidade do Distrito Federal e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, mais tarde as criações do ITA, da Universidade de Brasília e as reformas, que se iniciaram na UFMG em 1962 e que deveriam se concretizar no período do reitor Aloisio Pimenta (1964-1967)2,3. Um traço comum à vertente modernizante era a idéia de criação de institutos e ciclos básicos, que se justificava pela proposta de aprofundamento e associação da pesquisa e do ensino, visando não só competir com seus similares dos países desenvolvidos, mas também ao estabelecimento de suporte à modernização da nossa defasada ciência, tecnologia e sociedade em geral.

A reforma universitária de 1968 do MEC, apesar de formalizar a criação de institutos centrais, acabou atropelando as iniciativas em curso na UFMG, como foi o caso do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), fundado em 1968 e cuja consolidação se processou até 19753. Naquele momento, o ICB teve que se organizar como um instituto central, para concentrar recursos humanos e meios, a fim de viabilizar o desenvolvimento da pesquisa, da pós-graduação e do ensino nas áreas biológicas, e ao mesmo tempo fornecer um ciclo básico, tanto comum quanto possível, para os cursos da área da saúde3,4. No entanto, a partir de 1975 ocorreu uma supressão gradual do ciclo básico geral, a favor duma expansão correspondente do ciclo básico específico e de algumas concessões à profissionalização precoce3. Por outro lado, essa reestruturação veio atender a uma melhor acomodação do ciclo básico dentro do próprio ICB.

Na prática isso significou uma concessão aos interesses tradicionalista e radical, em detrimento da concepção modernizante inicial numa estranha associação de pressões. Foi através dos colegiados de cursos profissionais da área da saúde, que propostas de integração vertical se efetivararn, pedindo adaptação ás cadeiras básicas, que passaram a se constituir praticamente numa aglutinação de disciplinas pré-profissionais dentro do ICB3,5.

A partir de 1981, sob a coordenação de uma comissão de ensino formada no ICB, foram empreendidas discussões criticas, reunindo corpos docentes e discentes da área básica e profissional. Finalmente, em seminário de ensino, em 1983, foi aprovada uma filosofia de ensino para o ICB, que, sem questionar sua posição de ciclo pré-profissional, enfatizava o aspecto formativo básico e a adequação de conteúdo, incluindo exemplos de aplicação profissional, como instrumento pedagógico motivador e esclarecedor da matéria básica, sem no entanto se comprometer com ensino técnico e aprendizado da profissão, que deveria ser assumido no ciclo seguintes. Infelizmente as sugestões dessa comissão não resultaram em quaisquer medidas concretas3. No momento assiste-se à circulação de novas propostas de reforma curricular na área profissional, lamentavelmente sem o desejável envolvimento do pessoal da área básica.

 

Qualificação docente no ICB durante a última década

A qualificação docente é sem dúvida um dos meios mais importantes para as instituições de ensino público alcançarem seus objetivos. A titulação não esgota o problema de qualificação, mas certamente è um dos seus melhores indicadores. Giannotti6 considera que só após o doutoramento, última etapa estruturada de uma formação acadêmica, o docente adquire plena cidadania. A produtividade científica média dos docentes com essa titulação é sem dúvida maior do que as de outras categorias. Silva e Melo7 e Pimentel-Souza et al.8 confirmaram esse resulta do na própria UFMG. Em 1987 no ICB a produtividade

 

 

Tabela 1: Porcentagem de docentes em treinamento no pós-doutorado, doutorado e mestrado em cada departamento, ordenados decrescentemente pelo programa mais procurado, e para o ICB como um todo em 1987.

Departamento

Pós-
Doutorado

Doutorado

Mestrado

Total em
treinamento

Botânica 41,7 0 0 41,1
Parasitologia 32,1 7,1 0 39,3
Zoologia 21,4 0 1,1 28,6
Morfologia 14,3 0 7,1 21,4
Microbiologia 13,1 3,4 3,4 20,1
Bioquímica e Imunologia 13,2 13,2 0 26,3
Biologia Geral 11,1 2,9 0 14,1
Fisiologia e Biofísica 6,5 9,7 6,5 22,6
Farmacologia 5,9 11,8 5,9 23,5
Patologia Geral 0 0 0 0
ICB 15,4 5,5 3,1 24,0

de artigos científicos em revistas nacionais e estrangeiras dos doutores (índice de1,40) suplantou bastante a dos mestres (0,20) ou a dos especialistas e dos simplesmente graduadoS (0,24)8. Portanto, alcançar o máximo de docentes com doutorado seria um objetivo modernizante a ser perseguido. .

O percentual de doutores no ICB passou de 25 para 40% entre 1980 e 1987, prevendo-se um percentual de 56% em 1990. A taxa média de crescimento ao ano de doutores no decênio foi de 12,4% e na projeção de 1990 de 12,5%. Por outro lado, para os docentes, que possuem pelo menos o mestrado, o percentual foi de 49, 77 e 80%, respectivamente, para aqueles três anos. A taxa média de crescimento ao ano até 1987 foi de 6,3% e na projeção de 1990 de 1,3%. Esses dados revelam que o número de docentes só com mestrado está em queda acentuada, principalmente em relação a docentes com doutorado8. Por outro lado, os programas de treinamento dos diversos departamentos do ICB atingiram 24% dos seus docentes, sendo os percentuais de 15,4, 5,5 e 3,1% vinculados respectivamente ao doutoramento, ao pós-doutoramento e ao mestrado (tabela 1), confirmando-se o esvaziamento do último treinamento.

Como era de se esperar, houve diferentes evoluções entre os dez departamentos do ICB (figura 1). Todos eles apresentaram taxa percentual de doutores em crescimento, exceto um.

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Figura 1: Evolução do percentual de doutores na década de 80, incluindo projeção para 1990 somando-se os doutorandos aos doutores em I987 e considerando-se não haver perda nem ganho extras, nos depastamentos do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG: em A) Bioquímica (Biq), Fisiologia e Biofisica (Fis), Microbiologia (Mic), Parasitologia (Par) e Farmacologia (Far) e em B) Biologia Geral (BiG), Botânica (Bot). Morfologia (Mor). Patologia Geral (Pat) e Zoologia (zoo).

 

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Figura 2: Histograma da distribuição percentual dos doutores e doutorandos em classes de cinco em cinco anos de tempo de serviço no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG em 1987. Figura 3: Histograma da distribuição percentual dos não-doutores e não doutorandos em classe; de cinco em cinco anos de tempo de serviço no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG em 1987.

 

Os que mais se destacaram na taxa de crescimento na década foram os departamentos de Microbiologia (mais 29%), Parasitologia (26%), Fisiologia e Biofisica (25%) e Zoologia (21%). A seguir tivemos os de Biologia Geral (17%), Farmacologia (13%), Bioquímica e Imunologia (13%), Botânica (3°lo) e Morfologia (2%). No de Patologia houve queda de 11 %. É importante notar que dois departamentos (Parasitológia; Bioquímica e Imunologia) já possuiam mais de 50% de doutores desde o inicio da década e portanto parecem possuir massa crítica para se autorenovarem bem. O crescimento previsto de doutores no Departamento de Parasitologia já está apresentando limitação ao crescimento por atingir 100% de doutores na projeção para 1990, equiparando-se neste ponto às melhores universidades dos poises desenvolvidos. O Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG em 1987 apresentou indicadores semelhantes ao departamento de Bioquimica do Instituto de Quí-

mica da USP em 1986, respectivamente nos seguintes pontos: a) o percentual de doutores de 1980 evoluiu de 48 para 57% contra de 44 a 79%; b) a produtividade de artigos em revistas nacionais e estrangeiras por docente-ano foi de 1,18 contra 0,85; e c) a relação de alunos de pós-graduação por orientador foi de 2,12 contra l,808,9.

No entanto, esta visão de projeção futura de crescimento de doutores baseado noi doutorandos pode não se realizar. Uma boa percepção do crescimento dopercentual de doutores pode ser obtida nos histogramas de percentual de docentes com titulação versus tempo de serviço, onde se vê a tendência de perdas e ganhos nos últimos anos. A figura 2 mostra o tempo de serviço dos doutores e doutorandos no ICB, onde podemos calcular a perda funcional possível para os próximos dez anos por aposentadoria, somando-se o conteúdo das classes de até 25, 30 e 35 anos de serviço. Assim, o ICB poderá perder nos próximos dez anos 29% dos doutores e doutorandos e 36% dos não-doutores (figuras 2 e 3). Essas perdas parecem elevadas, mas essa cifra em torno de 33% é a conseqüência natural das carreiras que se interrompem aos 25 ou 30 anos de serviço a cada dez anos. Entretanto, o Departamento de Bioquímica da USP só perdeu 30% do seu quadro em quinze anos9, certamente utilizando mais seus melhores recursos humanos, como parece de resto acontecer nos países desenvolvidos. Portanto, o ICB da UFMG deverá se precaver contra esta perda prematura de docentes mais qualificados, principalmente por aposentadoria.

Os departamentos que já apresentaram elevada taxa de doutores há cerca de duas décadas, vamos chama-los de tradicionais e os demais, de emergentes. Os departamentos emergentes como Botânica, Zoologia e Farmacologia estâo em processo de consolidação dos ganhos, pois, além de terem um número de docentes em treinamento geralmente acima da média do ICB (tabela 1), suas perdas só são importantes em não-doutores (tabela 2). Esta posição deve-se muito ao fato deles terem realizado uma rotatividade favorável à titulação na contratação de novos docentes.

 

 

Tabela 2: Perdas possíveis de docentes de acordo com a titulação por aposentadoria, em percentagem sobre o total da categoria, nos próximos dez anos no ICB da UFMG, baseadas no contingente de docentes que ultrapassaram 20 anos de serviço em 1987.

Departamento

Perdas de Doutores
e Doutorandos

Perdas de docentes com outros títulos

Patologia Geral 100 38
Morfologia 41 20
Parasitologia 39 0
Fisiologia e Biofísica 38 53
Bioquímica e Imunologia 36 70
Biologia Geral 33 11
Microbiologia 23 42
Zoologia 17 50
Farmacologia 0 36
Botânica 0 60
ICB 29 36

 

O crescimento do percentual de doutores na Morfologia parece de difícil consecução, por não estar este departamento conseguindo substituir suas perdas por doutor ou doutorando, apesar de ter um regular índice de treinamento de doutores (tabelas 1 e 2). A situação no departamento de Biologia Geral parece ser menos delicada do que no de Morfologia, uma vez que tem conseguido contratar doutores ou doutorandos, deve ter perdas apenas regulares de doutores, mas treina menos docentes e perde menos não doutores. A situação do Departamento de Patologia Geral é preocupante, pois pode perder seu único doutor e não está treinando docentes no doutorado. Dois outros departamentos tradicionais devem ser analisados com atenção. No de Fisiologia e Biofísica, a taxa de docentes em treinamento de doutorado está muito abaixo da média (tabela 1) e tem perdas altas tanto de doutores como de não-doutores (tabela 2). Ele poderá entrar em declínio, se a rotatividade continuar desfavorável como aconteceu nos últimos cinco anos, trocando-se doutores por não-doutores. No de Microbiologia têm sido contratados doutores, cujo contingente deverá ter pequenas perdas, acompanhado de perdas maiores no de não doutores, mantendo moderada taxa de formação de doutores. Portanto, seu percentual de doutores parece em provável crescimento8.

Há entraves burocráticos e de concepção para melhoria da qualificação docente, apesar de os dados demonstraremque geralmente contratar candidato só com mestrado para substituição docente não melhora a titulação de nenhum departamento no ICB, exceto um. Assim, no momento atual, o docente recém-contratado no ICB deveria já estar com o seu doutoramento pronto ou no mínimo possuir potencial e vontade de fazê-lo. No ICB, a partir de 1983, excetuando-se os departamentos que já possuiam massa critica de doutores e de pessoas com boa visão de política de recursos humanos, as departamentos que cresceram sustentadamente estabeleceram uma política que privilegiava a contratação de docentes com alta titulação, que foi sustentada também nos âmbitos do reitor, dos conselhos superiores, da Comissão Permanente de Pessoal Docente na Administração Central e da Diretoria e da Comissão de Recursos Humanos no ICB, como foi o caso dos departamentos emergentes. Noutros houve um crescimento mais lento devido aacordos circunstanciais ou ao estabelecimento de um consenso critico para atuação política.

No entanto, os últimos editais de concurso têm mostrado um relaxamento nessa política. Isto é tanto mais incompreensível, quando se sabe que para concurso em nível mais alto haveria aspirantes potenciais com doutorado ou mesmo pós-doutorado, com excelente curriculo e experiência. Seria o caso de se restabelecerem as diretrizes previstas na resolução em vigor 04/82 da Coordenação de Ensino e Pesquisa da UFMG. Só excepcionalmente, baseado em convincente justificativa, poder-se-ia autorizar o concurso em nível mais baixo, quando realmente não se encontrarem candidatos potenciais de melhor qualificação ou que assumam um coerente plano de melhoria. É essencial também que a banca examinadora seja do mais alto nível e neutra, buscando os melhores pares do pais para a compor, mantendo uma insuspeição de endogamia, dando tranqüilidade aos candidatos dos centros mais avançados para virem aqui concorrer.

Felizmente, a administração central da UFMG tem dado mostra de que pode contrariar algumas vezes a norma de que os departamentos que treinam seus docentes fora da UFMG devam arcar com sobrecarga docente sem possibilidade de substituição, alegando proibição de reposição docente pelo MEC. Por isso deve~se reforçar mais ainda a exigência de se procurar contratar o novo docente com a titulação mais elevada, que não exija afastamento para completar sua formação. lnteressa á universidade oferecer as melhores prioridades aos departamentos de maior produtividade científica e didática, para tornar conseqüente a avaliação interna. Entretanto, exceções poderiam ser abertas quando houvesse candidato potencial de excelente curriculo, para o qual deveria haver um meio de se abrir de imediato uma vaga para o mesmo concorrer a nível de adjunto ou titular em qualquer departamento ou quando houvesse um plano consistente de melhoria. É mérito da UFMG reiterar a decisão de necessidade de concurso público para provimento de concurso para titular. Quanto ao Congresso Nacional, esperamos que revogue sua decisão constitucional de deixar em aberto a questão que ameaça as universidades federais com intervenções externas e nomeações políticas.

É um contra-senso que uma instituição pública de ensino superior contrate docente usando como prioridade dar aulas, a não ser em caso de esúrangulamento supremo. Esta política oferece argumentos para nos compararem a um "colegião" e a pensarem na privatização das nossas instituições, desconsiderando nosso papel pioneiro e o exercício de outras funções complexas. Mesmo em crise financeira, quando foi realizado corte nos orçamentos das universidades da Inglaterra, a manutenção prioritária, só dos pesquisadores mais produtivos, levou à melhoria do ensino de graduação na Universidade de Salford, além de captação de mais recursos10. Por isso, é preciso também adequar a regulamentação do

concurso para admissão docente, sobretudo de assistentes, que atualmente favorece mais a parte de ensino em oposição á formação. Urge abandonar o nosso vanguardismo de retórica e desvencilhar-se do atraso, que muitas vezes nos aflige, como fruto de uma contratação e manutenção de recursos humanos sem melhores critérios. Na USP esse problema não é tão grave, porque os não doutores não progridem na carreira como nas universidades federais, onde a progressão no tltimo decênio tem sido majoritariamente automática por tempo de serviço, inclusive na UFMG. Embora resolução recente do Conselho de Ensino e Pesquisa nessa universidade preveja a justificativa por não ter feito ainda o doutorado para atingir o nível de adjunto, na prática essa cobrança poderá não significar nada de novo, a considerar a mentalidade predominante entre os docentes na universidade.

 

A produtividade intelectual

Como a qualificação docente do ICB apresentou avanços consideráveis e está numa situação ímpar na UFMG,isto se refletiu na produção intelectual média do ICB em 1987, que já atingiu 3,50 unidades (artigos em revistas nacionais e estrangeiras, livros e capítulos de livros, teses, textos didáticos impressos, relatórios técnicos e resumos em congressos) por docente-ano, totalizando 742 unidades. A produtividade científica média do ICB de artigos científicos completos em revistas nacionais e estrangeiras chegou a 0,74 por docente-ano, que parece situar-se entre as mais altas das instituições nacionais e corresponder a cerca da metade da média, calculada só entre proeminentes cientistas dos países desenvolvidos11.

A maior produtividade científica ocorreu em dois departamentos tradicionais (tabela 3). No entanto, a simples existência de pós-graduação no departamento não correspondeu sempre a maior produtividade, pois os departamentos de Zoologia, Biologia Geral, Patologia Geral e Botânica foram mais produtivos do que os de Fisiologia e Biofísica, Microbiologia e Morfologia. Isto parece um paradoxo, masé também um indicador de crescimento de outras áreas, que em breve já terão sua pós-graduação implantada. Por outro lado, a baixa produtividade do Departamento de Morfologia justifica-se pelos encargos acadêmicos mais complexos e pela sobrecarga docente na graduação, pois possui uma carga didàtica semanal média de docentes em sala de aula de 11,2 horas e uma relação aluno-equivalente-24-horas-semanais por número absoluto de docentes de 18,3. Em parte essa justificativa deveria também se aplicar ao Departamento de Patologia Geral, que apresenta uma carga didática semanal média de 9,9 e uma relação aluno-equivalente por número absoluto de docentes de 12,9, mas concentra suas atividades mais em ensino de graduação, com poucas atividades de nível mais avançado. Em tempo, aluno-equivalente-24-horas-semanais é uma forma padronizada para comparar o esforço docente em situações tão diversas como em cursos, departamentos, unidades e universidades.

 

 

Tabela 3: Relação de orientação de alunos de pós-graduação por docente (doutor ou mestre) e prodútividade de artigos em revistas estrangeiras e nacionais por docente em 1987 par departamento do ICB da UFMG, em ordem decrescente de produtividade científica.

Departamento

Relação de orientação
de pós-graduandos

Produtividade
científica

Parasitologia 1,64 1,96
Bioquímica e Imunologia 2,12 1,18
Zoologia 0,75 0,80
Biologia Geral 0,26 0,58
Patologia Geral 0 0,56
Botânica 0,30 0,50
Fisiologia e Biofísica 0,80 0,42
Microbiologia 1,75 0,35
Farmacologia 0,69 0,33
Morfologia 0,26 0,22
ICB 1,07 0,74

 

Por outro lado, a produtividade científica, e também do ensino, poderia ser maior se as atividades docentes em geral fossem melhor avaliadas e cobradas, sobretudo porque nesse momento não podemos reclamar dos salários, que estão à altura da nossa melhor dedicação, mas que podem até vir a se degradar devido á grande instabilidade que atravessa o pais. Por outro lado, aqueles que decididamente não apresentas sem vocação para pesquisa deveriam maximizar de fato encargos didàticos (Portaria 393/81 do MEC), sem haver necessidade de demissões, atendendo também ao decreto no. 94.664/87, que dá estabilidade prematura aos docentes. Desta forma não se traria real prejuízo à pesquisa e, pelo contrário, podendo aliviar a carga do ensino, sobretudo daqueles que são mais solicitados a tarefas de pesquisa, pós-graduação, colegiados e assessorias.

 

 

Ensino de graduação

Se da parte da estrutura do ensino de graduação parece estar havendo algum retrocesso nesses últimos 13 anos, com tendências até de uma, inadequada profissionalização prematura na área da saúde, houve em geral aprofundamento e atualização científica da matéria lecionada. A maioria dos docentes são concursados e tiveram pelo menos uma reciclagem, mesmo que seja apenas o mestrado, o que me parece melhor em geral do que a formação voluntarista e o recrutamento personalistico a que eram submetidos os antigos assistentes. Se podemos admitir que houve melhoria no curso de medicina, que já contava antes da reforma com um corpo docente e um curriculo já mais estruturados, nos outros cursos da área da saúde é incomparável o avanço, particularmente naqueles da área biológica.

O espírito critico expandiu-se e, apesar de qualitativamente insuficiente, parece até contribuir muito para a "consciência infeliz" de Sartre, e até colabora para piorar o relacionamento aluno-professor, que acrescido pelo espírito libertário do momento, participa do relaxamento da disciplina mínima necessária para realização de trabalhos de grupo. A autoridade do professor tem que ser conquistada individualmente com sagacidade e mérito, porque não é amparada por algum setor,inserindo-se como parte da crise de valores, que assola nosso pais.

Por outro lado, é inegável a massificação do ensino, provocada sobretudo pelo aumento de pelo menos três vezes da relação aluno/docente nesses últimos decênios. Houve condensação de alguns currículos, que exigem dos alunos assistência a 35 horas semanais de aula, impossibilitando-os de render bem quando o ensino é centrado sobre suas atividades. O volume e as novidades das matérias aumentaram, tornando-se impossível, felizmente, continuar usando um processo principalmente de memorização e demandando uma mudança no enfoque pedagógico, com mais ênfase no formativo, mas para o qual a maioria dos docentes ainda não foi adequadamente preparada5,12.

A carga didática semanal média e a relação aluno-equivalente-24-horas-semanais por número absoluto de docentes no ICB em 1987 foram 7,7 e 9,1, respectivamente8. Este último índice está acima da média das universidades nacionais e estrangeiras e da média da própria UFMG, que é de 8,51 10,13. A titulo de exemplo, o valor nove desses índices significa um professor ministrar aulas diretas a um grupo médio de 27 alunos durante nove horas semanais e trinta semanas letivas no ano, além de se ocupar com todo o trabalho complementar extradasse. Isto me parece no limite da capacidade de docentes com dedicaçâo de 40 horas semanais, que conseguem ainda manter um bom desempenho em múltiplos encargos, além dos didáticos. Esta, é pelo menos a impressão de muitos docentes mais capacitados, que vivem a situação, e parece confirmar-se nos casos dos departamentos menos sobrecarregados do ponto de vista didático no ICB, como são os de Parasitologia e Zoologia, que apresentam uma boa produtividade científica e no caso da própria USP, onde essa carga didática média do ICB seria considerada excessiva. Na Universidade de Salford houve nítida melhora do ensino, quando a relação alunos/docentes baixou de 4,5 a 2,9, valendo-se essencialmente de docentes produtivos cientificamente e compromissados com a pesquisa 10. Eventualmente, a relação aluno-docente poderia até ser aumentada aqui se conseguíssemos adotar um ensino com menos assistência a alunos mais criativos, mais autônomos e mais críticos, além de contar com uma melhor infra-estrutura, particularmente no que toca a documentação. Além de depender da desejada autonomia didática, ainda não conseguida, estas condições mesmo a médio prazo parecem-me fora da realidade local. Em resumo, seria difícil conciliar uma relação aluno/docente igual ou maior que a atual, mantendo-se um sistema pedagógico com relativa assistência aos alunos, com a melhoria simultânea da qualificação dos docentes e da produção científica.

 

Outras atividades docentes

Quanto à orientação de recursos humanos formados além da sala de aula, o ICB em 1987 teve uma média de 2,70 orientados por docente em exercício, sendo 1,1 de pós-graduandos, 1,1 de bolsistas de graduação e 0,5 de técnicos de laboratório (tabela 3). Devemos salientar que enquanto muitos departamentos ainda vivem a crise de manter um corpo docente com baixa taxa de titulação por indefinição política, outros já estão se esmerando em começar a selecionar seus futuros docentes entre alunos mais talentosos da graduação, encaminhando-os paralelamente à qualificação necessária e desejada noutras instituições, principalmente no exterior.

Por outro lado, enquanto nos debatemos ainda em fatores quantitativos, só podemos deixar para outra etapa mais avançada pensarmos numa avaliação mais qualitativa. Uma análise da repercussão da produção científica já poderá ser feita aqui na UFMG, uma vez que nossa Biblioteca Central já assina o Citation Index desde 198714. Em suma, pode-se concluir então que, embora tenha havido progresso em muitos aspectos, sobretudo dependente de esforços isolados, nossas instituições não atingiram ainda a maturidade desejada e debatem-se ainda numa crise de objetivos mal definidos.

Na universidade existem entremeadas em quase todos os níveis da hierarquia as tendências das três correntes, que representam os pensamentos de como se deve fazer a transformação da mesma 1. A tendência modemizante parece predominar entre os níveis mais altos e capacitados da hierarquia, sobretudo na área básica, a tradicionalista entre os níveis mais baixos e corporativistas e a radical entre grupos ideológicos e de associações, especialmente a dos estudantes. Além dessas concepções, que podem ser conscientes ou inconscientes, infelizmente devemos também acrescentar uma forte tendência anarquizante, que representa interesses de encastelamentos de grupelhos, aglutinação de interesses pessoais ou fruto de simples omissão ou indiferença. A universidade, para a qual advogamos prioridade, não pode ter seu destino traçado pela componente anárquica da resultante pura e simples desses agentes, que quase sempre não possuem compromiso progressista com a instituição e que compromete diretamente o próprio ensino 15. A ética deveria ser reconsiderada em detrimento ao imediatismo de levar vantagem em tudo.

A demanda de qualidade da universidade federal está em posição critica, pois, além da necessidade da aderência de uma base majoritária para se impor sob as novas regras em vigor, necessita de~amplo comprometimento da comunidade acadêmica e da participação da elite do saber, muitas vezes minoritária, mas responsável pela sua excelência, e de todas as etapas da hierarquia, inclusive do Congresso Nacional para, através de lei complementar, definir melhor seu objetivo e ajuda-la a sair da crise atual 16,17. O ICB, que é líder em qualificação docente e produtividade científica na UFMG, encontra-se nessa situação delicada; imagine então como estarão as outras unidades menos aquinhoadas 8.18! Seus docentes competentes às vezes vêem sua produtividade acadêmica diminuída para atender esses entraves e muitas vezes nada conseguem, pois ainda permanecem minoritários na defesa dos objetivos da instituição. Outros, já desgastados e desiludidos, afastam-se. Assim a saida da crise torna-se difícil pela falta de um ambiente de solidariedade e de apoio aos mais capazes, que além dos entraves burocráticos e organizacionais, 14 geralmente encontram-se sobrecarregados em suas outras funções. Trata-se então de um assunto difícil de conduzir, quando vontade política necessária ao crescimento da instituição não aparece espontaneamente nas mentes da maioria dos docentes, que se apegam aos particularismos. O idealismo e o patriotismo de muitos membros da comunidade universitária poderiam se aliar à disposição de alguns colegas mais capacitados e comprometidos ainda a fazer alguma coisa, para ajqdar a instituição a não perder o momento histórico e a dar maior representatividade á competência nos diversos órgãos, senão as decisões irãoinevitavelmente nivelar por baixo. A universidade federal não pode deixar de lado o compromisso com o mérito sem colocar em perigo seu objetivo. Como disse Durham 19: "Na ausência de prioridades, dissolvem-se os valores acadêmicos". (...)."Tanto do governo quanto do movimento de docentes e funcionários, devemos esperar que subordinem os interesses mais corporativos ou da política menor aos objetivos mais amplos do ensino superior."

Nesse momento as atividades não acadêmicas estão superdimensionadas, os órgãos colegiados operam morosamente e não abordam objetivamente suas atividades-fim, mal se desincumbindo da pauta das reuniões. Assuntos como as estruturas da universidade e do ensino deveriam merecer mais espaço para reflexão e análise. Apesar da pouca mobilidade de nossas instituições, podemos perceber que quase toda transformação progressista provoca muitas reações contrárias. Por isso, é preciso muito tempo para realização das reformas e acomodação das tendências e tensões. Embora seja desejável a autonomia, na parte administrativa ela teria que ser conquistada gradualmente, por merecimento em cada área que demonstrasse competência.

 

Conclusão

Houve um nítido caminho trilhado pelo ICB na rota modernizante, principalmente quando se excluem algumas questões provenientes de decisões exteriores á instituição. Pela natureza das questões agora pendentes não se pode mais regredir à forma tradicionalista de universidade, sob ameaça de um custo altíssimo á universidade e à nação. Se a antiga universidade era insuficiente para atender às demandas da sociedade no passado, o que seria hoje se voltássemos atrás? Por outro lado, em toda parte do mundo, onde foi implantada, a tendência radical de universidade tem dado mostra de não atender às necessidades da modernidade.

No ICB, a pesquisa e a pós-graduação implantaram-se, disseminaram-se, institucionalizaram-se e ampliaram-se nas áreas biológicas e aplicadas, apesar de algumas falhas. O ICB concentra hoje o maior número de cursos de pós-graduação e lidera a qualificação docente é a produtividade científica na UFMG. Quanto ao ensino de graduação, o ICB carrega um ônus de origem externa muito grande referente à massificação e condensação dos curriculos. Houve em geral uma nítida melhoria da qualificação docente. Houve uma atualização dos conhecimentos ensinados, apesar de ainda haver alguma defasagem para alcançar a modernidade quanto ao acompanhamento científico e pedagógico. Mas, o esforço necessário para manter continuamente atualizado o conteúdo acadêmico das disciplinas deverá ser conseguido mais naturalmente com a estabilização de um corpo docente comprometido com a atualização das ciências básicas e geração de conhecimentos, através de pesquisas de alto nível. Essa tendência interessa de perto também ás escolas profissionais progressistas da área da saúde e á constmção de uma universidade moderna. Mas a infra-estrutura, sobretudo no que toca á prestaçâo de serviços, é muito carente.

Nas próximas reformas curriculares que se aproximam, o ICB deveria procurar melhorar sua identidade institucional, achando uma solução mais satisfatória à sua dicotomia interna e tomando nítida consciência de que a pesquisa e a política de recursos humanos são prioritárias, para caracterizar melhor sua condição de escola pública moderna, pois essas atividades em algumas particulares só ocorrem excepcionalmente, quando financiadas por agências governamentais. Assim deverão ser lançadas bases firmes para o seu próprio desenvolvimento e da UFMG, e poder~se-á viabil~zar um modelo mais amadurecido de instituição de pesquisa e de ensino no Brasil, uma vez que já se conta com um nível razoável de recursos humanos qualificados e produtivos. Se o ensino no ICB continuar caminhando na direção de um ciclo profissionalizante, em detrimento ao básico, a UFMG corre perigo de um retrocesso ao modelo tradicionalista de universidade e poderá mergulhar numa crise ainda maior, arrastando outros setores. Mas, a curto prazo não há possibilidade de retrocesso no ICB, pois seus docentes, que têm hoje uma formação mais voltada ao ensino e à pesquisa básicos, não poderão arcar com essa demanda e a UFMG e a nação não dispõem de condições para duplicar meios para fins idênticos.

Em suma, além da descrição da evolução da instituição com dados objetivos, procuramos demonstrar que uma importante parcela de responsabilidade do seu progresso a curto prazo está exclusivamente dependente da política interna na fixação de metas e na administração de seus recursos, principalmente humanos, independentemente de um plano educacional no pais. Portanto, nos dois últimos decênios, os progressos realizados indicam que estamos cumprindo razoavelmente nossa obrigação, apesar de ser laboriosa e sem o desejado consenso.

 

Notas e referências

1. L. da Veiga - Os projetos educativos como projetos de classe: Estado e universidade no Brasil. Revista Educação e Sociedade, 11: 25-71 (1982).

2. M.Q. Moreno - O ICEX e a reforma universiiària dos, anos 60, Boletim informativo da UFMG, 786: 4-5 (1988).

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Em comemoração do 20o.aniversário do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Agradecimentos. Agradeço a todos os colegas que leram o manuscrito pelas discussões e revisões do texto e a Vera V.L. Melo pela ajuda na obtenção e compilação dos dados apresentados.

 

Artigo recebido em 2/jan/89

Aceito para publicação em 16/mai/89

 

Autor

Fennando Pimentel-Souza - Professor Titular do Departamentode Fisiologia e Biofisica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, C.P. 2486, Belo Horizonte, MG, CEP 30160; pesquisador nível 1 da CNPq.


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