A VOLUBILIDADE DE FHC E SEUS EFEITOS


Fernando Pimentel de Souza

 

Introdução

Uma das características mais marcantes de FHC é de emitir uma opinião, sem argumentar, abusando de etiquetas, e logo depois voltar atrás, sem a menor cerimônia, de cara limpa: é a necessidade de negociar para manter a "governabilidade". Com isto recentemente entregou os "anéis do Brasil" para fazer aprovar a emenda da reeleição na Câmara, revertendo votos historicamente perdidos.

Inspirei-me na letra da ária mais cantada no mundo La Donna è mobile do Rigoletto de Verdi. Trocando-se "La donna" por "Cardoso" mantém-se a rima, colocado-se o verdadeiro personagem no seu papel e tira-se a mulher do papel ridículo em que Verdi a meteu, a saber:

"Cardoso è mobile
Qual piuma al vento
Muda d'accento
e de pensiero".
Cardoso é volúvel
Como a pluma no vento
Muda de lugar
E de pensamento

Ele na presidência não tem nada de professor e de pesquisador. É um político vulgar.

Texto publicado na Folha de acordo com original enviado:

FHC ficou conhecido pelo adendo à "Teoria da Dependência Econômica": o comércio internacional favoreceria os países ricos encarecendo os produtos de ponta e desvalorizando os produtos primários e pouco manufaturados dos atrasados, parecendo se manter, a não ser em casos monopolizados como o do petróleo, sendo aí vantagem estar no setor primário e não livrar-se dele. Como é moda, FHC, além de esquecer seu trabalho, adota a globalização como inevitável e adorou a comenda "estadista do ano" em New York. Nem o neoliberal Bill Gates, da poderosa Microsoft, tem uma concepção tão angelical, pois a acha um meio para grandes empresas monopolizarem o mercado. Gates pregou a compatibilização quando pequeno, mas no Windows 95 saiu na frente, criando incompatibilidade e falência para outras firmas, o que lhe valeu processos nos EUA, onde a fiscalização parece funcionar. Não vende "hardware", mas "software", conhecimento de ponta, cuja hora trabalhada é cada vez mais cara.

A globalização exige firmas de ponta e suas sementeiras em plena efervescência, centenas de milhares de cientistas e tecnólogos agindo com rapidez e renovando-se num prazo muito curto para uma delas se manter na dianteira. Mas, no Brasil acontece o contrário, FHC descuida da preparação para a globalização. O Presidente da Academia Brasileira de Ciências comparou nosso caso com o Botafogo de Ribeirão Preto ao subir para a 1a. divisão de futebol. Perguntado como enfrentariam o Santos de Pelé, responderam de igual para igual. Resultado: Santos 11 X 0.

O mais perverso da modernização é o desemprego até no 1º Mundo, contrariando os ciclos econômicos da história, agravado pelo baixo crescimento das economias. Mas, bastou a CNBB criticar a globalização, logo FHC se pôs de acordo.

FHC fez carreira na esquerda, democrata-social,
quase ministro de Fernando primeiro, social-liberal,
e ultimamente chamou-se de neo-social,
afirmando nunca ter sido neo-liberal.

Nhém-nhém-nhém à parte, a demissão de competentes servidores em massa, começada com Fernando I, continua com o II, levando o Banco Central à incapacidade de fiscalizar os bancos; a Aeronáutica à falta de técnicos para evitar acidentes como o dos "mamonas"; os Institutos de Pesquisa e Tecnológicos e Universidades Federais à perda de quadros competentes etc, afastando-nos do clube restrito dos privilegiados da globalização. Talvez FHC ache professores e pesquisadores universitários ociosos e insignificantes, como o velho liberal Smith a 300 anos. É preciso reciclar, pois as últimas revoluções industriais foram feitas com cientistas e tecnólogos anglo-saxãos.

Dizia estar com os mais pobres, mas na reforma da previdência e administrativa trata com austeridade a maioria dos funcionários mal pagos, sem aumento salarial em 96, procurando responsabilizar-los pelo déficit recorde no orçamento, 5% do PIB, causado pelo rombo de U$32 bi do serviço da dívida federal, mantendo os privilégios dos marajás. Parte da inflação está camuflada em dívidas públicas, que atingiram U$200 bi em 95 e prometem crescer mais em 96. Com o SIVAM/SIPAM quer dar U$5 bi para empregar bem os "pobres" dos EUA, apesar da advertência dos cientistas da SBPC. Encarece nossos produtos com "royalties" à distância pelo registro no exterior, o chamado "pipeline", ou aprovando patentes de microrganismos, liquidando os retardatários com prejuízo ao país em mais de U$2 bi segundo o cientista Kerr.

O custo Brasil não vem dos salários e encargos, execrados nos contratos temporários, pois o total é um dos mais baixos do mundo. Trata-se de alguns gargalos, da tributação irracional, onde os mesmos pagam cumulativamente, seqüestrando recursos dos "bodes expiatórios" e não fazendo a reforma tributária para arrecadar dos que não pagam impostos e até investir no crescimento, corroborando Gomes e Unger.

Na universidade, ensina-se ao aluno aceitar as críticas corretas, absorvendo-las. Além de ter renunciado seu passado, FHC perdeu até este cacoete, sistematicamente repele seus críticos; sem seu histórico fica despersonalizado e não corresponde a imagem do cientista cuidadoso que fez passar ao seu eleitor, como eu, frustado. As promessas do candidato não decolaram, exceto o controle da inflação, vindo de Itamar, que não será consolidada se as reformas forem casuísticas e não doutrinárias. Não estamos cobrando de FHC o ideal; opções realizáveis de interesse nacional não podem ser renunciadas ao sabor de acordos "políticos" e de "democracia" não representativa...

 

(Transcrito da Folha de São Paulo, secção Tendência e Debates de 28/05/96)