Notícias      JC e-mail 2290, de 02 de Junho de 2003

Pesquisador comenta artigo 'Sobre homens e macacos', de Geraldo Luís Lino

Não há nada que indique que os Homo sapiens de 120 mil anos atrás, caçadores/coletores, se nascidos hoje não pudessem ganhar um prêmio Nobel

        Mensagem de Fabrício R. Santos, professor de Evolução da UFMG (fsantos@mono.icb.ufmg.br)

Ao ler a matéria do geólogo Geraldo Luís Lino ficou patente para mim a sua avidez pela leitura de livros de divulgação científica. No entanto o geólogo se esquece que a Ciência segue independente da opinião pessoal de qualquer cientista em particular.

No texto do geólogo existem vários pontos em que demonstram o desconhecimento do leigo em biologia evolutiva, a disciplina que aborda a matéria em questão.

Primeiro a sugestão de inclusão do Chimpanzé dentro do gênero Homo (da nossa espécie Homo sapiens) não é nenhuma novidade e nem vai contra qualquer critério científico.

Os estudiosos de evolução e taxonomia com certeza diriam que é extremamente difícil conceituar precisamente uma espécie ou agrupá-las no mesmo gênero, família e outros agrupamentos taxonômicos, afinal todos estes nomes são arbitrariedades do intelecto humano.

Mas todos diriam que pelo menos para grupos similares, tais como mamíferos, os agrupamentos hierárquicos na taxonomia deveriam ser feitos de modo semelhante. Mas o que este artigo científico tem a acrescentar a outras publicações prévias.

Esta semelhança tão alta 99,4% se dá nos caracteres importantes dos genes, isto é, aqueles que realmente diferenciam fenotipicamente as espécies. Além disto foram feitas análises baseadas não apenas em similaridade, mas também na polaridade evolutiva das variações analisadas, que está de acordo com a teoria da evolução. Isto é extremamente significativo visto que outras espécies agrupadas em um mesmo gênero, em vários genes apresentam uma similaridade geral menor, de 96 a 98% apenas.

Isto é o caso do cavalo e zebra, muito diferentes entre si se comparados à dupla Homem e Chimpanzé. Então temos apenas de ser coerentes: ou colocamos Chimpanzé no gênero Homo, ou desmembramos estas espécies (cavalo e zebra, e outros) em gêneros distintos.

O geólogo apresenta a cultura humana como uma propriedade biológica de nossa espécie e diferencial do Chimpanzé. Esta não é utilizada na classificação biológica já que nossa origem como espécie é bem anterior a esta cultura como a conhecemos hoje. Quando nos diferenciamos em Homo sapiens não éramos muito diferentes dos animais a não ser pela inteligência que proporcionou posteriormente nossa evolução cultural.

Mas uma maior inteligência significa necessariamente uma grande diferença biológica? Não há nada que indique que os Homo sapiens de 120 mil anos atrás, caçadores/coletores, se nascidos hoje não pudessem ganhar um prêmio Nobel.

Na verdade, em média eles tinham cérebros maiores do que atualmente. Nossa diferença com o Chimpanzé está em realidade cada dia menor...

Tentamos de várias formas encontrar diferenças morfológicas significativas e agora os neurocientistas tentam encontrar estas diferenças no nível das interações celulares.

As diferenças até agora não apareceram da maneira clara como imaginávamos a priori. Nós como cientistas já imaginamos ter muito mais genes que outras espécies, os quais pudessem explicar nossa inteligência.

O genoma humano foi sequenciado. Um gene ou outro expressos de maneira diferente foram encontrados mas nada que realmente possa ser chamado de novidade evolutiva em relação ao Chimpanzé.

Pelo que os dados anatômicos e neurobiológicos indicam, a maior diferença no cérebro não é observada entre Homem e Chimpanzé mas entre nós primatas (em particular os hominídeos, onde estão o Homem e o Chimpanzé) e os demais mamíferos.

As próprias regiões cerebrais associadas à fala e cognição (em nossa espécie) já estão diferenciadas no Chimpanzé e Gorila, bem diferente de outros animais.

Nos dois últimos parágrafos está uma das concepções mais comuns entre os leigos em Evolução, alguns cientistas do século passado e os futurologistas que escrevem textos na SuperInteressante, Galileu, etc.

Não existe nada que indique a nossa espécie como 'vanguarda' ou produto final ultra-sofisticado da Evolução, tal como na frase 'nada pode barrar o avanço da vida, é porque ela se dirigia em direção ao homem'.

Somos um mero produto da Evolução biológica neste planeta que apareceu nos últimos momentos de existência da Terra.

Por 3,5 bilhões de anos havia vida, mas não 'vida inteligente' por aqui. Como dizia Stephen Jay Gould, se pudéssemos voltar novamente ao ponto zero de origem da vida e deixássemos rodar novamente a Evolução, não há nada que indique que esta se daria da mesma forma originando nossa espécie.

A História evolutiva na Terra faz algum sentido determinístico porque a observamos do presente para o passado, mas basta pensarmos agora que não temos a mínima idéia de como será realmente o futuro das espécies neste planeta.

Diferente do que o geólogo deixa transparecer, não estamos (Homem e Chimpanzé) classificados em gêneros separados meramente por dados científicos. Se viessem aqui alguns extra-terrestres (só para fins didáticos) e classificassem Cavalo e Zebra no mesmo gênero provavelmente teriam feito o mesmo com Homem e Chimpanzé.

Provas em contrário sobre a atual classificação existem inúmeras, pelo menos bem mais do que em prol da separação em dois gêneros, classificação esta que tem muito mais a ver com dogma e é reflexo do nosso antropocentrismo (na minha opinião pessoal e de cientista).

Bem, a finalização dos genomas do Chimpanzé e do Gorila está próxima e nossas diferenças estão cada vez menos diferentes.