Nº 1349 - Ano 28 - 16.05.2002

 

Clones humanos?
Fabrício Rodrigues dos Santos *
lones não chegam a ser novidades biológicas, já que todos os gêmeos idênticos são clones uns dos outros. Os clones da atualidade são outros, e a principal diferença está na sua forma artificial de obtenção, através da técnica da clonagem reprodutiva, que se vale de material genético de uma célula diferenciada de um indivíduo adulto. Não se deve confundir tais clones com outras técnicas de clonagem para fins terapêuticos.

Várias observações experimentais e considerações teóricas demonstram que clones obtidos por processos artificiais são completamente distintos dos clones naturais. Existe um consenso, mesmo que muitos "cientistas" omitam, de que a metodologia ainda é incipiente e depende de vários procedimentos de tentativa e erro. Ou seja, para obter-se o nascimento de um clone vivo, inúmeras células, embriões e fetos serão sacrificados. No mês passado, apresentaram a gata Cc: como um grande "avanço" nos experimentos de clonagem, pois resultou de "apenas" 188 tentativas, enquanto a ovelha clonada Dolly nasceu de 276 experimentos.

Outro consenso é de que ainda não se pode prever como tais clones se comportarão logo após o nascimento e durante seu desenvolvimento até a fase adulta. Vários experimentos com clones de camundongos demonstram que sua longevidade é muito reduzida em relação ao indivíduo original (clonado). A ovelha Dolly já sofre de artrite com apenas cinco anos, uma doença comum na velhice ovina, e que não foi documentada no indivíduo do qual Dolly se originou. Em várias espécies, os clones gerados a partir de indivíduos adultos, incluindo Dolly, apresentam vários outros sinais de envelhecimento precoce. O experimento mais significativo evidenciando a eficiência da clonagem, executado pela empresa Advanced Cell Technology, foi feito com 30 vacas clonadas e indicou que "apenas" 20% dos clones apresentaram problemas até a idade de quatro anos, fase adulta dos bovinos. Talvez outras vacas possam ainda apresentar problemas até seus 20 anos, se chegarem à velhice bovina, mas só saberemos daqui a algumas décadas.

O que pode acontecer à espécie humana? Qualquer cientista sério responderia que problemas similares nos vários estágios da clonagem e desenvolvimento do clone humano podem aparecer com significativa probabilidade. Mas também podemos pensar em situações que não podem ser respondidas agora. Por exemplo: grande parte do processo de envelhecimento humano está associada à nossa função cerebral, bem diferenciada dos outros animais. Será que teremos de esperar clones humanos se desenvolverem para anotarmos, tal como um resultado de experimento que levou vários anos para ser respondido, que clones ficam "caducos" antes do tempo?

A evolução biológica regida por processos naturais gerou toda a diversidade do nosso planeta. Qualquer modificação biológica inexistente na natureza, tal como a clonagem animal a partir de células de um indivíduo adulto, apresentará resultados imprevistos, que agora serão selecionados por um processo artificial imposto pela tecnologia humana. O homem está se apropriando de processos biológicos que não foram "criados" por ele e os modificando sem ainda compreender detalhes de seu funcionamento. Enquanto estes processos são incompreendidos, cada clonagem será um experimento, e seus clones serão as cobaias. Será que vale a pena?

Pensando de outra forma, imagine que a clonagem já esteja bem controlada e compreendida, tanto que a freqüência dos problemas associados a este processo artificial fosse igual ao que ocorre nos processos naturais de reprodução. O clone sempre será associado ao indivíduo doador (clonado) que pertence a outra geração e já viveu toda uma vida que será objeto de comparação à nova vida do clone. Como cientista, digo que este é um experimento fantástico; como homem, digo que eu não me sentiria bem como um clone ou um experimento científico do gênero.

Clones humanos são inevitáveis? Sim. Existe um enorme "orgulho científico" de ser o primeiro "clonador" e grande valor econômico por trás do processo de clonagem humana. Recentemente, o técnico em reprodução assistida, o italiano Severino Antinori, anunciou que três mulheres já estariam grávidas de clones, e uma delas seria islâmica. Também disse que nenhuma das mulheres pagou pelo serviço, que provavelmente foi custeado pelos clonados, e não citou quantas tentativas foram feitas para que elas aparecessem grávidas.

Se não houvesse ética científica, clones humanos já teriam nascido de uma forma ou de outra, bem como a cura de várias doenças. A ética contrabalança os prós e contras nos processos de experimentação humana, tal como o comitê de ética da UFMG avalia projetos propostos com humanos. Se consideramos apenas os prós, não há manipulação biológica geradora de conhecimento que possa ser impedida ou desestimulada. Mas na clonagem humana os contras são muitos, e os prós só fazem referência ao ganho de poucos e não para o ser humano como espécie.

Os "pesquisadores" (Antinori, Zavos e outros) e as empresas de reprodução assistida (Advanced Cell Technology, Clonaid, etc) são os maiores defensores e beneficiários financeiros da eventual aprovação da clonagem humana. Outros beneficiados seriam os milionários curiosos com a novidade ou que acreditam poder alcançar uma "eternidade" pela preservação de seu genoma na forma de seu clone; casais _ hetero e homossexuais _ que querem ter um filho clone de um deles ou que não aceitam o gesto da adoção; pessoas que perderam um ente querido e querem revitalizá-lo...

São todos motivos particulares que envolvem os desejos inflamados por uma possibilidade tecnológica que acarreta enormes riscos que ainda não podem ser totalmente previstos. Mas como toda história é contingência, os clones nascerão, com ou sem problemas fisiológicos, farão história e se constituirão em experimentos bem ou mal-sucedidos. Para muitas pessoas, serão também motivo de alegria, pois farão parte de suas vidas, não importando os meios.

* Professor de Genética e Evolução do ICB