21/05/2003 - 08h25

Chimpanzé também é "gente", diz estudo

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo

Eles já eram os primos mais próximos da humanidade. Agora, podem ser considerados irmãos. Um grupo de cientistas dos EUA afirma que os chimpanzés são geneticamente tão parecidos com o homem que deveriam ser incluídos na mesma categoria evolutiva: o gênero Homo, do qual o Homo sapiens era, até agora, o único representante vivo.

A idéia foi sugerida pela primeira vez pelo biólogo americano Morris Goodman, da Universidade Wayne, em Detroit, em 1998. Analisando porções de DNA de humanos e chimpanzés, Goodman havia descoberto que as duas espécies tinham 98,4% de identidade. Isso bastaria para que os símios africanos, ao lado dos bonobos (espécie conhecida como chimpanzé pigmeu), passassem ao gênero humano. De Pan troglodytes, adotariam o nome científico Homo (Pan) troglodytes.

Em um novo estudo, publicado na última edição da revista "PNAS" (www.pnas.org), da Academia Nacional de Ciências dos EUA, Goodman e sua equipe foram além: compararam 97 genes de humanos, chimpanzés, gorilas, orangotangos e outros macacos e descobriram que o grau de semelhança, nas regiões do DNA analisadas, é de 99,4% entre seres humanos e chimpanzés.

Revisão geral

"Eles estão muito mais próximos dos humanos que dos gorilas e dos orangotangos", disse Goodman à Folha. Os cientistas propõem uma reforma na árvore genealógica da humanidade: todas as criaturas surgidas de 6 milhões de anos para cá, idade possível do ancestral comum entre homem e chimpanzé, virariam Homo.

"Acho que esse novo estudo vai causar muito mais impacto", afirmou Goodman. "Desta vez, analisamos genes que estão sujeitos à seleção natural, e vimos que são parecidos entre as duas espécies. Em 1998, tínhamos estudado DNA não-codificante [que não tem função conhecida na célula]."

A revisão não é apenas cosmética. Primeiro, se a idéia do grupo de Wayne for aceita, os ativistas de direitos dos animais terão um belo argumento para protestar contra pesquisas biomédicas envolvendo "humanos".

"Biologicamente nós não somos tão diferentes dos chimpanzés quanto gostamos de crer", disse o geneticista Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em evolução.

Depois, segundo Goodman, a inclusão tornará mais fácil a busca do 0,6% de diferença genética que torna o Homo sapiens capaz de compor músicas, construir prédios e fazer pesquisas científicas com o DNA dos outros.

Por fim, o estudo ameaça pôr abaixo toda a classificação dos hominídeos fósseis, construída com parcimônia e conflitos durante décadas por arqueólogos e antropólogos, com base no exame de características físicas e comportamentais de cada espécie. "Como vamos encaixar 20 espécies de hominídeos fósseis em Homo sapiens?" --questiona o antropólogo Ian Tattersal, do Museu Americano de História Natural. "Vamos classificar de baixo para cima, não de cima para baixo!"

Para Tattersal, uma vez que a maior parte da história evolutiva do homem é compartilhada com os chimpanzés, 99,4% de identidade é um número pequeno. "E insignificante, comparado às diferenças morfológicas e cognitivas produzidas por esse 0,6%."

Genética errada

Para o antropólogo físico Walter Neves, da USP, o problema dos estudos genéticos é que eles partem do raciocínio "simplista" de que os genes têm todos o mesmo valor, ou seja, de que diferenças percentuais no número de sequências de DNA podem servir como critério para aproximar ou não duas espécies.

"Não dá para achar que todo gene tem o mesmo peso. Eles têm escalas de abrangência diferentes." Segundo Neves, um gene que regula o efeito de vários outros não pode ser comparado a um que produza uma proteína simples. "Só vamos poder comparar quando houver uma hierarquia de genes", afirmou. "O problema é que a genética é mal feita."