Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A dor e o controle do sofrimento (II)

4.3) Dor do membro fantasma

A dor do membro fantasma é uma das mais terríveis e fascinantes de todas as síndromes clínicas dolorosas , e é um dos exemplos mais relevantes de dor crônica.

Ambroisé Paré a descreveu de forma brilhante:

"Na verdade é uma coisa maravilhosamente estranha e prodigiosa, que seria difícil acreditar (salvo por aqueles que a viram com seus próprios olhos e a ouviram com os seus próprios ouvidos ), que os pacientes se queixem amargamente, vários meses, após a amputação, de ainda sentirem uma dor excessivamente forte no membro já amputado."

A maioria dos amputados menciona a percepção de um membro fantasma, quase imediatamente depois da amputação do membro. Ele é geralmente descrito como uma forma precisa do membro real desaparecido.

Este "fantasma" deve ser produzido pela ausência de impulsos nervosos do membro. Quando um nervo é seccionado, produz uma violenta descarga lesional em todos os tipos de fibras. Esta excitação diminui rapidamente e o nervo seccionado torna-se silencioso, até que novas terminações nervosas comecem a crescer. Isto implica que o sistema nervoso central dá conta da falta de influxo normal.

Alguns amputados têm tão pouca dor ou sentem-na tão esporadicamente, que negam padecer de um membro fantasma doloroso. Outros sofrem dores periódicas, variando de alguns crises quotidianas, a uma só por semana ou quinzena.Ainda outros têm dores contínuas que variam em qualidade e intensidade. Ela é descrita como ardente ou esmagadora. Pode começar imediatamente após a amputação ou semanas, meses e até anos mais tarde. Sente-se em pontos precisos do membro fantasma.

Se a dor persiste por longo tempo , outras regiões do corpo podem tornar-se sensíveis e o simples toque destas "zonas de gatilho" pode provocar dores intensas no membro fantasma. Além disso a dor é muitas vezes causada por impulsos viscerais resultantes da micção e defecação. Mesmo as perturbações emotivas podem aumentar notavelmente a dor. Pior ainda , é que os métodos cirúrgicos convencionais muitas vezes não conseguem dar alívio permanente , sendo que estes doentes podem recorrer a uma série de operações, sem diminuição da intensidade de dor. Entretanto, a descoberta da "teoria do portão" para controle de dor aferente ou central desenvolve numa nova tecnologia neurocirúrgica, a microcirurgia, capaz de lesar só as fibras finas, sem com esta comprometer a inibição das fibras grossas.

Características da dor fantasma:

  1. A dor pode subsistir por muito tempo , após a cicatrização dos tecidos lesados, uma vez que a dor está relacionada com uma regeneração defeituosa dos nervos do coto o que pode formar neuromas. Por vezes, a dor pode assemelhar-se à que estava presente antes da amputação

  2. As "zonas -gatilho" podem estender-se a regiões do mesmo lado ou do lado oposto do corpo. A dor numa zona distante do coto pode suscitar sofrimento no membro fantasma.

  3. Diminuições temporárias de influxo somático podem levar a um alívio prolongado da dor. ( O tratamento mais óbvio ,consiste em reduzir os influxos, por infiltração de um anestésico local, em pontos sensíveis ou em nervos do coto.)

  4. O aumento do influxo sensitivo pode originar um alívio prolongado da dor. A injeção de pequenas doses de uma solução salina hipertônica no tecido invertebral dos amputados produz uma dor localizada e aguda que irradia par o membro fantasma, dura cerca de 10 minutos e pode produzir um alívio por horas, semanas, por vezes indefinidamente.Entretanto, esta teoria é apenas um controle temporário e precário, que foi gradualmente substituída pela microcirugia.