Revista de Psicofisiologia, 1(1), 1997

A dor e o controle do sofrimento (I)

2.1) Aspectos somato-sensorial e visceral

A pele, devido à sua grande sensibilidade dolorosa, permite uma percepção mais nítida da dor. A sua sensibilidade cutânea flutua, provavelmente, em virtude da circulação do sangue ou doutras modificações ao nível da pele, e a informação que transmitem através de todo o sistema nervoso central, é ela própria modificada pelas mensagens que descem do cérebro. Este recebe impulsos projetados por vários receptores, estes impulsos combinam-se para formar uma síntese que produz as atividades neurais, finalmente percebidas e decodificadas no cérebro como DOR.

No caso de um arranhão, que provoca a dor ou um mal-estar arrasados, há coincidência com o momento e o local da estimulação e depois decresce. A evolução à inflamação tem classicamente quatro manifestações principais: rubor, calor, tumor e dolorimento. O rubor provém da maior circulação sanguínea proveniente de vasodilatação. O calor é produzido localmente pela presença de um grande afluxo de sangue quente muito perto da superfície da pele. O tumor ou inflamação é devido às substâncias vasodilatadoras que escapam dos tecidos para os vasos sangüíneos. Dolorimento ou hiperalgesia é proveniente da dispersão de maior quantidade de substâncias algogênicas ao redor da ferida. A dor tem uma causa complexa. A pressão resultante do tumor contribui para a sensação de dor, mas não é suficiente para explicar tudo; mesmo que se elimine ou se previna a tumefação, a dor está presente.

De onde provém então esta dor? Toda a pele contém fibras nervosas. Estas fibras são sensíveis a acontecimentos particulares, mas o ferimento apresenta uma tal perturbação, que, no momento da lesão, todas dão origem a impulsos nervosos. Certas fibras vão emitir impulsos instantâneos, devido à ação mecânica do estímulo, que origina a dor aguda que acompanha o ferimento, mesmo quando ligeiro. Mas a liberação de mediadores químicos periféricos nociceptivos e que vão provocar o sofrimento mais duradouros.

Certamente que uma ferida mais grave que um simples arranhão, provoca dor e sensibilidade numa profunda região e no próprio momento em que a lesão se produz. Um exemplo disso é uma martelada no polegar, que muitas vezes se estende à maior parte da mão e do punho. Mas, paradoxalmente, pode doer menos do que um extenso arranhão na pele, sem a menor profundidade.

O tecido visceral é nitidamente deficiente de inervação dolorosa em comparação com a pele normal. É insensível aos estímulos nocivos, como a laceração ou a queimadura, mas sensível à dilatação e ao estiramento. É evidente que a dor depende, em grande parte, das propriedades do tecido lesado.

O intestino normal parece não dar nenhuma sensação, exceto se produzir um estiramento ou tração, dilatação ou espasmo. A vesícula biliar, não se faz notar sua presença em condições normais, mas sob o efeito de dilatação ou inflamação, pode tornar-se particularmente dolorosa.

Os músculos estriados são abundantemente enervados por vários tipos de nervos sensitivos, sendo raramente dolorosos, exceto numa situação especial: esquemia muscular.

Os músculos lisos das vísceras, que se contraem sem alimentação sangüínea suficiente, podem também esquemiar ou gerar dor intensa. A constrição grave das artérias do coração, por exemplo, podem produzir a dor da angina de peito.

A superfície normal das articulações não é muito sensível, mas a destruição dos tecidos e a inflamação que se produz na artrite aumentam a sensibilidade das fibras que a enervam. Trata-se de pequenas mudanças de pressão, dando lugar a fortes crises de dor.

O cérebro é uma das partes do corpo que pode ser penetrado sem ocasionar dor. Em algumas intervenções cirúrgicas no cérebro, é preferível operar sob anestesia local só no couro cabeludo do doente, dessa forma bloqueando todos os nervos do escalpe. Estes nervos não servem somente à pele, mas também à camada externa do crânio, vascular e fibrosa, o periósseo. Em seguida, o cirurgião pode proceder sem provocar dor, mostrando assim que a camada interna do crânio é insensível.

O câncer é uma doença altamente temida por provocar dor freqüente nos estágios finais. A causa da dor é essencialmente mecânica. Explica-se então, pelo fato do tumor ter proporções excessivas e começar a obstruir a circulação normal no líquido cérebro-espinhal que provém dos ventrículos cerebrais.

O tumor pode, por acaso, ter efeitos diretos dolorosos quando a pressão aumenta ou se estende às estruturas sensíveis, como no caso do tumor ósseo. A maior parte das vezes, as dores provenientes dos tumores são devidas aos efeitos de bloqueio que cria o seu volume excessivo.

Quando colocamos um alfinete na pele, a dor é fácil de se localizar. Esta capacidade é uma especificação da pele, não existindo a mesma propriedade quando a sede da dor se localiza em tecidos profundos, ocorrendo dessa forma uma irradiação nervosa difusa desta dor. Duas formas mais freqüentes de dor irradiada, bem inespecífica, são as da apendicite e angina de peito.