PROCESSO CONSTRUTIVISTA NO ENSINO DE PSICOFISIOLOGIA

 

F. PIMENTEL-SOUZA* E S.A.MINGOTI**

Laboratório de Neurofisiologia e Comportamento, Departamentos de Fisiologia & Biofísica do ICB* e Estatística** do ICEX da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

 

RESUMO

Um processo construtivista no ensino de Psicofisiologia foi aplicado e avaliado, usando a classificação de Bloom e colaboradores, para 238 alunos do Curso de graduação de Psicologia, 77% do sexo feminino, a maioria entre 20 e 23 anos durante quatro semestres. Ganhos cognitivos significativos foram alcançados nas maiorias das questões do teste objetivo de conhecimentos, do teste subjetivo sobre "hábitos mentais" e na monografia final. O domínio afetivo só foi avaliado por questionário. "Estrutura da disciplina", "processos pedagógicos" e alguns pontos de metaciência obtiveram resultados significativos. "Filosofia de ciência" e outros aspectos de metaciência, referentes a funções superiores do cérebro, tiveram ganhos pequenos, sendo significativos só em alguns casos. Por outro lado, a contradição entre proposições afirmativas e negativas esvaziou a validade de muitas questões. Enfim, este trabalho mostra ganhos importantes em vários domínios pedagógicos, que procuraram ter atenção à subjetividade e afetividade do aluno, incluindo o amadurecimento da personalidade, ressaltado por um método construtivista.

 

ABSTRACT

A constructive process for teaching psychophysiology was applied and evaluated, using the classification of Bloom and coworkers for 238 undergraduated students of the course of Psychology, 77% female, the majority between 20 and 23 years during four semesters. Significant cognitive gains were observed in the majority of questions of the objective test of knowledge, in the subjective test of "mental habits" and in the final monograph. The affective domain was evaluated only by questionnaire. "Course structure", "pedagogic process" and some points of metascience have shown significant results. "Phylosophy of science" and other aspects of metascience, related to superior functions of the brain, had small gains, in which only someone were significant. On the other hand, misagreement between afirmative and negative propositions void the validity of many questions. Finally this work showes important gains in various pedagogic domains, which demanded for more attention to subjetivity and affectivity of pupil, including personality maturation, emphasized by a constructive method.

 

INTRODUÇÃO

A pedagogia tem sido frequentemente solicitada a acompanhar os desenvolvimentos do conhecimento humano e do avanço tecnológico, através de uma crescente demanda de progresso na educação e de favorecer maior maturação da mentalidade. Uma das esperanças de solução vem do processo construtivista da epistemologia genética. Piaget procurou a harmonização do processo de aprendizagem com o amadurecimento biológico da criança e do adolescente, através dum processo centrado no aluno (1,2).

Epistemologicamente, a aquisição do conhecimento pode ser concebida quando, por exemplo a estimulação tatil-cinestésica ajudando a formar os esquemas corporais, se moldam as estruturas nervosas genèticamente herdadas. A percepção da realidade nutre os processos operacionais, cuja maturação dá origem à imagem mental, às operações formais e à outros instrumentos do conhecimento e da atividade verbal, que aparecem desde a necessidade de dizer algo e a formação de uma idéia geral até a linguagem interior, chamados de aspectos figurativos. Por outro lado, vão aparecendo cada vez mais um paralelo entre o cognitivismo de Piaget com os processos neurofisiológicos de controle sensori-motor do movimento do adulto: desde projeção de campos receptores unitários, formação de esquemas sensoriais, programação de plano de ação motora e comando do movimento (3,4,5,6).

Mas, a aquisição do conhecimento depende da interação das atividades comportamentais do indivíduo com estruturas sensori-cognitivas, que interiorizam novas construções sucessivas, permitindo remediar algumas incoerências momentâneas, resolver problemas, vencer crises por uma constante reelaboração. Não é um mero ato de percepção ou associação de fatos, nem um mero ato físico de maturação genética do sistema nervoso, pois depende da ação e do dinamismo externos exercidos sobre a constituição plástica do cérebro dos sujeitos, que quase sempre estão numa função ativa (7,8).

Uma das contribuições de Piaget foi considerar 4 períodos no desenvolvimento da criança onde se processa um duplo salto qualitativo, tanto no aspecto cerebral, quanto na forma cognitiva. Considera-se que a inteligência se desenvolve por etapas, de modo que a aprendizagem prossegue em cada uma no nível do que já tinha sido adquirido na etapa precedente. A estimulação sensori-motora participa em causalidades objetivas e espacializadas, em programas de ação motora, na consolidação de heranças genéticas, na aquisição de novas estruturas dinâmicas e na construção dos objetos mentais, reaferindo-os com uso de variados circuitos de retro-alimentação, que introduz a função de controle. Os pensamentos de operações concretas e representativas interagem e desenvolvem a aquisição da linguagem. Finalmente ocorrem as operações formais ou hipotético-dedutivas, chamadas de segunda ordem por se apoiarem sobre operações concretas. Assim a inteligência de cada sujeito procede de maneira não linear na aprendizagem, por construções graduais sucessivas (1,9). Por outro lado, Piaget sugere que há um desenvolvimento interrelacionado dos domínios cognitivo e afetivo na formação da personalidade do jovem. Assim, a presente pesquisa propõe fazer avaliação de uma série de itens dos dois domínios e concluir sobre a maturidade do aluno adulto, que já não teria o impecilho de maturação biológica macroscópica (10,11).

 

MÉTODO

Sujeitos:

Uma nova programação foi aplicada na disciplina Psicofisiologia, do 3o. semestre letivo da UFMG do curso de graduação de Psicologia, onde predominava a abordagem psicoanalítica. Foram avaliados 238 alunos divididos em 8 turmas com cerca de 30 cada, sendo duas turmas em cada um dos 4 semestres experimentais. O mesmo professor assumiu o ensino desde a 2a. metade de 1990, excetuando-se o ano de 1992, por ser considerado atípico devido às greves, às maiores dificuldades de pessoal, de infra-estrutura e de material na universidade, ligadas à crise nacional, mas reconsiderando o 1o. semestre de 1993, apesar de curta greve. 77% dos alunos eram do sexo feminino e a maioria da faixa etária de 20 a 23 anos.

 

Procedimento:

Nessa experiencia pedagógica em Psicofisiologia aplicamos um processo interacionista e gradualista na construção do conhecimento dum jovem aluno já adulto, mas sujeito aos princípios psicofisiológicos da aprendizagem. A diferença com os estágios de aquisição do conhecimento da criança segundo Piaget é que os processos psicofisiológicos podem se suceder imediatamente um aos outros por não haver mais necessidade de esperar a maturidade biológica do aluno e a aquisição da linguagem (1,9,11). Trata-se de deixar o aluno realizar sua experiência pessoal, desde a percepção, passando pela operação concreta até a formal, construindo sua expressão sôbre a sua própria linguagem no nível em que ela se encontra.

Para facilitar a abordagem e para seguir melhor como cada aluno se desenvolvia e expressava nas discussões, a turma foi dividida em 4 grupos de 7 a 9 alunos selecionados por certa homogeneidade em filosofia de ciência, segunda a concepção (necessária, não necessária, ainda indefinida ou confusa) da existência de relação da gênese do conhecimento com a natureza e a lógica. Usou-se para isto o teste subjetivo inicial sobre "filosofia de ciência" descrito abaixo (12,13,14).

A ênfase da aprendizagem foi mais no desenvolvimento de etapas da inteligência e da linguagem específica e não na reprodução de um conhecimento formal, mal entendido na sua origem, o que não passa de memorização. Procurou-se abrir mais espaços à criatividade, centrando o ensino mais no aluno e diminuindo o número de horas de aulas expositivas (15,16,17,18,19). Num curso de 60 horas foram programadas 18 horas de ação direta do professor em forma de aulas teóricas e demonstrativas. Estas últimas foram reintroduzidas na disciplina usando o aluno como ajudante. Através de grupos de discussão foram explicitadas outras operações concretas de causalidade, extraidas de textos da literatura científica, decorrentes de experiências ou conhecimentos atuais. Todas as ocasiões foram aproveitadas para ilustrar com as experiências corporais próprias, relacionadas com o estudo de sensações, funções do cérebro, de músculos, de motricidade e autonômicas. Em toda atividade pedagógica foram ressaltadas as etapas da aquisição do conhecimento, mostrando claramente quais são os fatos efetivamente demonstrados e como se cria uma intrapolação.

Finalmente, exercícios de operações formais foram feitos em soluções de problemas, algumas vezes de forma original pelas tentativas de provável extrapolação dos conhecimentos científicos concretos. Chamamos esse exercício de Metaciência. Partimos da premissa de que na vida profissional o psicólogo encontrará frequentemente questões tão originais, que jamais foram abordadas em sala de aula e que provavelmente a ciência não chegará tão cêdo a uma conclusão (12). Por isso, caberão a eles, para o exercício profissional mais consciente, saber construir hipóteses generalizadoras na base dos conhecimentos científicos adquiridos, que deverão ser mantidos atualizados pessoalmente após o curso (20,21). Um dos objetivos é exercitar a capacidade autodidata de aprender a criar.

A maior parte da carga didática foi ocupada no processo de preparação em grupo de 5 pesquisas monográficas abordando aspectos dos seguintes temas fundamentais do programa: bioeletrogênese, controle da motricidade, sono, emoções e visão. Após a abordagem teórica e ou prática dos tópicos acima, o aluno recebia uma encadernação com resumo dos temas com algumas perguntas, que demandavam deduções do conteúdo dos principais textos fornecidos como referência. As perguntas não se encontravam diretamente respondidas nos textos e deveriam levar o aluno à reflexão, para atingirem as categorias cognitivas mais avançadas segundo classificação de Bloom e colaboradores (22), desde a "compreensão", passando pela "análise" e até a "síntese", com orientação cuidadosa do professor para deixar o aluno expressar primeiro o seu raciocínio (19,23,24). Depois de um período de grupos de estudos e discussão, primeiro com colegas e depois com o professor, o aluno deveria escrever individualmente as respostas completas em sala de aula, com direito a consulta bibliográfica, sem a pressão da memorização, pois as questões focalizavam a aprendizagem em categorias mais avançadas. 50 pontos da avaliação foram distribuidos nesses 5 processos.

No final do curso as turmas de alunos puderam escolher um dos temas a seguir: O sono, Bases fisiológicas da loucura, Bases fisiológicas da motricidade, A dor, Manifestações autonômicas das doenças psicossomáticas ou A evolução ontogenética do cérebro: da infância à velhice, para apresentarem uma monografia mais extensa e profunda, por processo semelhante ao anterior. Cada grupo dividia a matéria entre seus membros para prosseguir a pesquisa complementando por meios próprios e com os textos apresentados. O grupo, com consulta ou não do professor, se reunia e discutia, selecionando os tópicos mais importantes e sugerindo complementos para uma apresentação oral, que se fazia formalmente na presença do professor. Era ocasião para crítica e orientação para a redação da monografia final. Nessa fase esperava-se que os alunos pudessem chegar a exercer até a função "avaliação", já que teriam que priorizar os trabalhos feitos pelos membros da turma, atingindo o objetivo máximo do domínio afetivo de Bloom e colaboradores (22). A esta atividade foram atribuidos 20 pontos.

Um teste objetivo, em forma de certo ou errado ou não sei, subtraindo os pontos das questões erradas, verificou a aprendizagem do conhecimento científico formal no início e no final da disciplina. Procuraram-se questões onde estivessem em causa fases mais avançadas da classificação cognitiva de Bloom e colaboradores (22), cuja média ponderada nas 60 questões ficou compreendida entre as categorias "análise" e "síntese", longe da simples "memorização". Essa atividade valia 30 pontos.

Testes subjetivos constituido de questionários, tipo verdadeiro ou falso ou não sei, foram aplicados duas vezes, um no início e outro no final do curso para avaliar mudanças de comportamento durante a disciplina. Esse teste revelava o nível atingido pelo aluno em cada assunto no domínio afetivo (ou cognitivo) na classificação de Bloom e colaboradores (22,25,26). Ele era constituido de 60 questões, cuja consistência era medida pela coerência em respostas pareadas apresentadas em ordem aleatória em questões "afirmativas" e "negativas", que abordavam os seguintes temas: hábitos mentais, estrutura da disciplina, processo pedagógico, aplicação da ciência, metaciência e filosofia de ciência. Os testes analisados serviam de orientação para aperfeicoamento dos próximos a serem aplicados. Por exemplo, localizando-se as dificuldades de expressão e procurando-se uma redação cada vez mais simples e adequada. A resposta era considerada consensual se o desacôrdo fosse menor do que 5%, e contraditória se acima. Os rendimentos inicial e final foram avaliados e a significância de sua diferença (Teste Chi Quadrado) indicaram a eficiência pedagógica por questão (27).

A análise estatística dos questionários foi conduzida através do pacote estatístico MINITAB (28) no computador IBM 4341, do Laboratório de Computação Científica da UFMG.

 

RESULTADOS

1) TESTE OBJETIVO

O rendimento cognitivo do curso foi importante nos 4 semestres estudados, passando de 39,6% a 72,0% em média durante o curso. Os melhores rendimentos ocorreram no 2o. e 3o. semestres experimentais, caindo no 4o. considerado atípico. Cerca de 2/3 das questões tiveram variações significantes (P menor do que 0,05; Chi Quadrado maior ou igual a 5), sendo que em cerca de 20% pode-se atribuir a não significância ao elevado conhecimento inicial no tema. Por assunto, o rendimento médio final em ordem crescente mostrou melhores resultados em Motricidade, Sentidos, Bioeletrogênese, Dor, Sono, Sistema Límbico e Condicionamento, sendo Bioeletrogênese e Condicionamento, os de menor ganho por terem maiores conhecimentos iniciais.

 

2) TESTES SUBJETIVOS

Em cada tópico analisado a informação entre parentesis refere-se ao nome da categoria do respectivo domínio afetivo (ou cognitivo), que os autores consideram em teste segundo a classificação de Bloom e colaboradores (22,26). Com exceção do item "hábitos mentais", que tem sentido próprio de cognição pessoal, todos os outros foram classificados no domínio afetivo pelo seu aspecto psicossocial.

 

A) Hábitos Mentais

Compreenderam 5 temas, dos quais dois tiveram consenso (baixa contradição): entendimento das principais idéias num texto (compreensão) e entendimento das relações entre si das principais idéias (síntese). Os outros três apresentaram alguma insegurança (contradição acima de 5%), nos seguintes assuntos: distinção entre afirmativas provadas cientificamente e em hipótese (síntese), familiarização com os termos de psicofisiologia (conhecimento) e explicação das idéias de psicofisiologia (compreensão).

O rendimento de todos os temas mostrou avanço significante entre início e final do curso, variando de 30,4 a 82,1% a média das questões afirmativas e negativas, com relativa estabilidade nos 4 semestres. Do ponto de vista da classificação de Bloom e colaboradores (26) formou-se uma grande disposição afetiva para obter, e até mesmo criar, uma aprendizagem cognitiva em nivel mais elevado, apesar de mais insegurança se encontrarem em categorias mais baixas de aprendizagem.

 

B) Estrutura da Disciplina

Compreenderam 5 temas, dos quais dois tiveram consenso: necessidade do conteúdo dos pré-requisitos (acolhimento) e importância do conteúdo (valorização). Os outros tres apresentaram alguma controvérsia nos seguintes assuntos: conhecimento do conteúdo de pré-requisitos (valorização), abordagem criativa da matéria (filosofia de vida) e atualização da disciplina (acolhimento). É natural que menor insegurança se manifeste em categorias mais baixas de aprendizagem.

O rendimento de todas as questões mostrou avanço significante entre início e final do curso, variando de 34,5 a 73,3% as médias das questões afirmativas e negativas, atingindo melhor rendimento nos 2o. e 3o. semestres experimentais.

 

C) Processos pedagógicos

Compreenderam 5 temas, das quais três tiveram consenso: interesse do professor (atenção), mobilização do aluno para análise e síntese (filosofia de vida) e adequação das avaliações (acolhimento). Os outros dois apresentaram alguma controvérsia, nos seguintes assuntos: concentração dos alunos nas próprias sensações e observações (filosofia de vida) e maior relevancia do conteúdo das avaliações (acolhimento).

O rendimento de todas as questões mostrou avanço significante entre início e final do curso, variando de 36,0 a 83,8% a média da questões afirmativas e negativas, mostrando melhor rendimento no 2o. semestre experimental. Os alunos estiveram tranquilos quanto aos processos pedagógicos, tendo alguma insegurança manifestada na relevância de algumas questões de avaliação e auto-conhecimento. É natural uma diferença de valorização em questões de avaliação, onde certos assuntos mais relevantes não se prestam a formulações precisas e vice-versa.

 

D) Aplicação da ciência

Compreenderam 5 temas, dos quais dois tiveram consenso: aplicação do conhecimento científico na clínica (filosofia de vida) e aplicação de princípios causa-efeito no comportamento humano (filosofia de vida). Apresentaram alguma controvérsia os seguintes assuntos: segurança de aplicação do conhecimento científico dentro de certos limites de validade (valorização), influência de razões não naturais e não lógicas na mente (visão do mundo) e determinação de algumas funções mentais pelo cérebro (valorização). Verificou-se que questões mais específicas e de funções mentais superiores apresentaram mais insegurança.

O aluno mostrou-se muito receptivo neste assunto desde o início. Por isso no final do curso só alguns itens mostaram avanços significantes em alguns semestres, mascarados pela elevada aceitação inicial (70,0%, a média da questões afirmativas e negativas), o que tornou difícil apresentar diferença maior no final (78,9%). Porém, merece destaque o tema, onde se discutia a base, natural e lógica, das funções mentais, cujo rendimento médio subiu de 31,7% no início para 54,4% no final, mostrando avanço significante em 6 das 8 turmas nas duas questões pareadas.

 

E) Metaciência I

Compreenderam 5 temas, cujas generalizações foram as mais aceitas geralmente ligadas a funções mais periféricas do cérebro, das quais duas tiveram consenso: código de informação entre neurônios (valorização) e importância da existência da dor (valorização). Outras tres apresentaram controvérsia, nos seguintes assuntos: código cerebral para movimentos finos (valorização), operação integrada para o equilíbrio das vísceras quando estimuladas (valorização) e significado da representação dos objetos visuais no cérebro (valorização).

O rendimento para o aluno nas questões entre início (82,3%) e final (87,9%) do curso mostrou um avanço não significante, justificado pelos elevados índices iniciais, exceto em alguns semestres em que houve avanço significante. Assim, apesar de alguma controvérsia, a aceitação da aplicação do conhecimento científico nessas funções mais periféricas do cérebro já era admitido desde o início do curso e melhorou um pouco.

 

F) Metaciência II

Compreenderam 5 temas, cujas extrapolações foram as menos aceitas. Tratando de assuntos ligados à funções mentais ou psicológicas superiores no cérebro, uma só foi consensual: mediação das emoções pelo cérebro (valorização). As outras quatro apresentaram controvérsia, nos seguintes assuntos: localização do centro da decisão dos movimentos voluntários no cérebro (visão do mundo), influência no cérebro das emissões de fluidos sem energia (visão do mundo), ciência aborda parte ativa do sono (filosofia de vida) e alguma forma de dependência das funções mentais em relação ao cérebro (filosofia de vida).

Houve avanço significante no rendimento médio de 4 temas entre início (45,4%) e final (68,7%) do curso, à exceção de alguns semestres, geralmente quando os índices do início já eram elevados ou no último semestre atípico. Num tema (localização do centro da decisão dos movimentos voluntários no cérebro) o aumento não foi significante, havendo mesmo uma ligeira diminuição em 4 turmas sobre 8. Mesmo assim esses temas, abordando funções mais superiores do cérebro, indicaram que houve um ganho médio considerável pela maior aceitação da visão científica, apesar de situar-se em terreno de controvérsia impossível de ser resolvida pelo estado atual do conhecimento.

 

G) Filosofia de ciência

Foram destacadas tres temas entre as questões anteriores, que nos pareceram essencialmente de natureza de filosofia de ciência. Todos demonstraram falta de consenso final, abordando: influência na mente de razões não naturais e não lógicas (visão do mundo), influência no cérebro da emissão de fluidos sem energia (visão do mundo) e localização no cérebro do centro de decisão dos movimentos voluntários (visão do mundo).

Apesar da controvérsia elevada, houve no rendimento médio mais avanços por turma por tema, significativos (n=10) ou não (n=9), sobretudo nos dois primeiros temas, contra diminuições não significativas (n=5).

O rendimento médio foi de 33,3% no início e 54,6% no final, notando-se uma diminuição acentuada do primeiro ao último semestre experimental, considerado atípico. Nessa parte foram abordadas questões de fronteira do conhecimento científico, onde faltam fatos demonstráveis ou controláveis do funcionamento cerebral ou da mente, por isso mesmo sujeitos a interpretações controversas. São questões sem solução atual, cuja tendencia de aceitação ou não dos princípios de funcionamento só depende de maior ou menor credibilidade na possibilidade de existência de entidades, que influenciam o cérebro, mas sem nenhuma ligação natural e lógica com o cérebro. A generalização de cada um é mais um ato de crença, mas se pode concluir que o curso colaborou no sentido de aceitação de uma psicologia mais científica do que filosófica e uma maior maturidade do aluno para o estudo dessa disciplina. Deve-se salientar que no início os alunos dividiam-se em dois grupos, metade com filosofia de vida consolidada (empírico-dedutiva ou metafísica) e outra metade não (neutros ou contraditórios). O ganho apresentado foi sobre o grupo não consolidado.

 

3) MONOGRAFIA FINAL

Essa foi a parte mais criativa do curso, porque havia espaço motivacional para maior discussão, divisão de trabalho em grupo, pesquisa bibliográfica e entrevistas com especialistas, apresentação oral individual e a redação final de uma monografia, cujo tema era de predileção e condizente com uma "filosofia de vida" do grupo. Procurava-se também atingir os objetivos pedagógicos mais elevados no domínio cognitivo, exercendo até a categoria "avaliação" ao ter que selecionar e ordenar as partes mais importantes do conteúdo nas contribuições individuais, atribuindo valores aos trabalhos dos colegas.

Os resultados atingiram um rendimento final excelente no 3o. semestre experimental, após o qual houve um acentuado declínio devido à mencionada atipicidade ocorrida em 1992 e 1993.

 

DISCUSSÃO

No aspecto colaborativo e no interesse criado na busca de mais informações nas pesquisas pessoais vimos sinais de um grande desenvolvimento da personalidade do aluno durante essa disciplina. No entanto, a tradição no nosso meio escolar é haver um grande fosso separando professor e aluno, o que dificulta o trabalho de colaboração. De um lado, ficam muitos alunos imediatistas mais interessados em serem aprovados ou obterem boas notas do que aprender e, de outro lado, o professor mais centrado no aspecto cognitivo da aprendizagam, perdendo ambos a dimensão do domínio afetivo. Foi preciso desde o início do curso dar explicações sobre o processo que procurava abordar o lado afetivo do desenvolvimento da personalidade, como sendo o resultado mais importante. Mas, com o tempo é mais fácil ocorrer a "erosão" dos objetivos afetivos como constataram Bloom e colaboradores (26). De fato é o que parece ter acontecido do 1o. ao 4o. semestre experimental no item sobre "filosofia de ciência" (Figura 8), cujos resultados são mesmo difíceis de aparecer em curso breves de 1 semestre ou 1 ano. Corrobora com essa argumentação que esse período de ensino em 1992 e 1993 foi atípico devido ao desvio de atenção para outros eventos (greves, crises nacional e universitária, aposentadorias docentes etc), marcando também estagnação no rendimento da monografia final (Figura 9), cuja tendência foi declinante à médio prazo.

Na medida que o item "filosofia de vida" do aspecto afetivo caia (Figura ), o aspecto cognitivo (Figura ) aumentava até o 3o. semestre estudado, indicando que a maturidade do aluno pode se fazer tanto prioritariamente do lado cognitivo, quanto do lado afetivo, parecendo apoiar um modelo mais organizacional de interação entre os dois domínios, comprovando em parte as idéias de Piaget e de Bloom e colaboradores (12,22,26).

O curso procurou se abrir à verificação experimental ou factual, sob o controle de outros parceiros e da dedução lógico-matemática, e conseguiu uma melhor assimilação de observações exteriores nas estruturas mentais do sujeito, que é a base da psicologia científica. Tendo em vista que a ciência biológica tem sua filosofia de ciência muito próxima as das escolas analítica, neo-positiva e empírico-dedutiva, para atingir melhor aprendizagem a mais importante função é de melhorar a disposição do aluno (aspecto afetivo) a evoluir mais próximo a uma psicologia científica, ao contrário de tender para uma psicologia puramente filosófica, metafísica ou conforme outras escolas da psicologia (13,26). Piaget considerava que quando o processo é fechado, dependendo só da introspecção e das mesmas idéias de convicção, acaba sempre resultando um processo metafísico, não ligado à natureza e à lógica.

 

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